19 janeiro, 2007

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada (Bibliografia)

Bibliografia:

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Freire, Felisbelo Firmo de Oliveira. História da Revolta de 6 de Setembro de 1893. Brasília, UNB. 1982.
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“Jornal do Comércio”. R.Janeiro. várias edições
Figueira, Manuel Fernandes. “Memória histórica da E.F.Central do Brasil”. R.Janeiro, Imprensa Nacional, 1908.
Hänsel, Emil “Uma excursão ao Brasil e aos estados do Prata [Ein Aufsflug nach Brasilien und den La Platastaaten]; tradução, introdução e notas de Carlos Wehrs. (Coleção Varnhagen, vol. 2).Rio de Janeiro. IHGB. 1992.
Forte, José Matoso Maia “Memória da fundação de Iguaçú”. R.Janeiro. Jornal do Comércio. 1933.
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Siqueira, Edmundo “Resumo histórico de The Leopoldina Railway Co.Ltd.” R.Janeiro. Carioca. 1938
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Pessoa, V.A. Paula. “Guia da E.F.Central do Brasil” R.Janeiro. Imprensa Nacional. 1901
Souza, Paulino José Soares de. “Relatório apresentado à Assembléia Geral dos Acionistas da Companhia Estrada de Ferro Leopoldina concernente aos anos de 1892 e 1894 [contendo também o relatório relativo ao ano de 1895 e 1º semestre de 1896]. R.Janeiro. Tip. Guimarães. 1896

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (10-11)

10.A fábrica de pólvora da Estrela e a base revoltosa em Magé


No norte da baía um local de preocupação a defender era a Fábrica de Pólvora, no município de Estrela, nas proximidades de Raiz da Serra (Inhomirim). Esse ponto seria facilmente alcançável pela ferrovia de Mauá, que saía do Porto de Mauá e ia até a Raiz da Serra. Para evitar surpresas o governo tratou de suspender o tráfego no trecho daquela estrada compreendido entre a porto de Mauá e o entroncamento com a Estrada de Ferro do Norte. A decisão foi determinada pelo ministro da Viação, João Felipe Pereira, a 7 de outubro de 1893[1].

Mas as preocupações com a Fábrica de Pólvora não ficaram por ali. Ainda no final daquele ano o engenheiro-chefe da Central formalizou a apresentação de um projeto para a construção de um ramal ligando a mencionada fábrica aos trilhos da E. F. do Norte, em Raiz da Serra. A 16 de janeiro do ano seguinte o ministro solicita ao diretor da Central do Brasil que adote as providências para que o ramal seja construído, com as despesas correndo por conta do Ministério da Guerra, e autorizando-o a fazer os entendimentos que fossem precisos com a direção da Leopoldina[2].

À distância de pouco mais de 15 quilômetros a leste do entroncamento entre a E. F. do Norte e a E. F. Mauá (atual estação Piabetá) estava a cidade de Magé no extremo norte da baía. Ali se tinha instalado a que talvez tenha sido a única base em terra conquistadas pelo grupo de Custódio[3]. Em novembro de 1893 o ex-deputado Vinhais, depois das suas fracassadas tentativas de desarticular a ligações da capital pela estrada de ferro Central do Brasil, se dirigiu para essa cidade ocupando-a sem reação dos locais. A partir daí Magé se converteu num ponto de apoio aos navios da Armada, fornecendo-lhes principalmente alimentos para o pessoal embarcado. Naquela época ainda não havia sido construída a ligação ferroviária entre a E. F. do Norte e as linhas que iam ter a Porto das Caixas e Niterói. Aquela estrada havia solicitado e obtido ainda em 1888 a concessão para estender o traçado da ferrovia até Porto das Caixas passando por Magé. Entretanto, apesar de aprovado o projeto a companhia não o executou dentro dos prazos e a concessão caducou. A Leopoldina só retomou o assunto em 1894 sob o impacto daquele evento, mas o ramal ligando a estação de Rosário (atual Saracuruna) a Porto das Caixas só foi mesmo inaugurado décadas mais tarde, em dezembro de 1926[4].

Assim, impedida a navegação, o caminho mais fácil para se alcançar Magé era ir por aquela ferrovia até o citado entroncamento com a estrada de Mauá e, a partir daí, prosseguir a pé ou por outro meio de transporte até a vila.

Em meados de fevereiro de 1894 tropas de Floriano convergiram para a região para desalojar os revoltosos daquele ponto. Uma parte desse contingente veio pelos trilhos da Grão-Pará, procedente de Correias e Cascatinha ao que se juntaram cerca de 100 voluntários embarcados em Petrópolis[5]. Dali seguiram viagem no dia 18, para as proximidades de Raiz da Serra, onde se juntaram às tropas sob o comando do tenente Godolfim, vindas do Rio de Janeiro pela linha do Norte. No dia 21, por fim, marcharam para Magé. Era parte da estratégia do ataque final que se desencadearia algumas semanas depois.

A desigualdade de forças era muito grande e a capacidade de reação de Vinhais muito reduzida. Quando abandonou Magé Vinhais tinha sob seu comando apenas 33 marinheiros, e uma centena de homens que compunham a sua guarda patriótica, sendo que apenas alguns deles armados com velhas carabinas retiradas das sucatas da marinha. A maior parte conseguiu fugir para os barcos dos revoltosos levando os familiares[6].

O episódio ficou fortemente registrado na memória da cidade. Não pela intensidade da luta nem pelo que tivessem sofrido os mageenses com a ocupação de Vinhais, mas pelas atrocidades atribuídas aos seus redentores, ordenadas por Godolfim. Ele seria mais tarde acusado de, depois de afugentar o grupo de Vinhais, ter ordenado o toque de “saque e degola” sobre a população indefesa.

11. Conclusão
Não era novidade para os governantes do Brasil do final do século XIX a importância das estradas de ferro como elemento estratégico para a defesa do território. Após a experiência da guerra contra o Paraguai, havia ficado clara a necessidade de construir estradas que fizessem mais rápida a ligação com as regiões de nossas fronteiras, principalmente no sul do país. Entretanto, a primeira experiência bélica das ferrovias brasileiras acabaria por dar-se na própria capital do país.

Efetivamente, como se viu, com exceção dos projéteis que foram atingir desafortunados civis, o único objetivo não militar da contenda resumiu-se ao sistema ferroviário do Rio de Janeiro. Uma dessas ações interrompeu a ligação com Petrópolis e Minas Gerais que era ainda feita pelo sistema barcas-ferrovia idealizado em 1852 por Mauá. A Estrada de Ferro do Norte, inaugurada cinco anos antes, pelo caminho da baixada, reduziria ao mínimo o impacto dessa perda. Ambas estavam, na época, sob o controle da Companhia Estada de Ferro Leopoldina, que anos mais tarde responsabilizaria os prejuízos sofridos durante a Revolta da Armada como uma das causas das dificuldades financeiras que levaram à sua falência, em 1897. As outras duas ações, deflagradas logo nos primeiros dias da contenda, foram dirigidas contra a Central do Brasil.

Com o fracasso das tentativas de paralisar a Central e com a alternativa de alcançar Petrópolis pela Linha do Norte, foi a vez de Floriano passar a tirar o melhor proveito dessas estradas para organizar a defesa em torno da baía, restringindo o espaço dos revoltosos ao interior da Guanabara.

Nem mesmo a adesão do almirante Saldanha da Gama, comandante do forte de Villegagnon, em dezembro de 1893, até então neutro, pode alterar o destino da revolta.

Pouco depois, em março de 1894, contando com uma nova frota naval composta por navios adquiridos nos Estados Unidos, Floriano utilizaria as estradas de ferro para posicionar suas tropas e armamentos visando o cerco e ataque final aos revoltosos.

(Fim)


Notas:
[1] Aviso nº 140, de 07/10/1893, in Paiva, Alberto Randolpho. “Legislação ferroviária federal do Brasil”. R.Janeiro, MVOP, 1922. 13 vol.
[2] Aviso nº 8, de 16/01/1894, idem..
[3] Os revoltosos tiveram também o controle das ilhas do Governador e Paquetá.
[4] Cf. Siqueira, Edmundo “Resumo histórico de The Leopoldina Railway Co.Ltd.” R.Janeiro. Carioca. 1938 p 179
[5] Fróes, G. Kopke. A “batalha” de Magé”. Obtido em http://www.earp.arthur.nom.br acessado em 30/08/2006.
[6] In Jornal do Brasil. Episódios da revolta de 6 de setembro, fuzilados em Sepetiba e horrores em Magé: narrativas publicadas pelo Jornal do Brasil” R.Janeiro, J.Brasil, 1895 195 p.

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (9)

9. Registros de testemunhas: a pequena E.F. do Norte em tempo de guerra


Com seus trilhos correndo paralelamente às margens da baía da Guanabara, então ocupada pela esquadra revoltada, a Linha do Norte tornou-se, desde o início das hostilidades, uma peça importante para a estratégia de defesa do governo do marechal Floriano Peixoto. A mencionada interdição dos serviços de barcas entre a capital e o porto de Mauá, em Magé, tornara aquela ferrovia o único caminho para se chegar a Petrópolis. E o que não era pouco importante, também o único acesso à Fábrica de Pólvora, em Estrela, próximo a Raiz da Serra. Por tudo isso aquela ferrovia viria a ser intensamente utilizada pelas tropas do governo nos meses seguintes como meio de transporte para soldados e equipamentos bélicos. Mas era igualmente importante protegê-la, pois as pontes sobre o Meriti, o Iguaçu e vários outros rios da região por onde corriam os seus trilhos, eram peças vulneráveis e possíveis alvos de ataques ou sabotagem. Aqueles rios eram razoavelmente navegáveis e por eles seria possível que os revoltosos fizessem incursões em terra para se abastecer ou para estabelecer bases de ocupação. As pontes, portanto, mereciam enorme atenção das tropas, tanto como objeto de proteção da ferrovia mas, também, como uma posição para conter eventuais tentativas de infiltração através dos rios.

A Guarda Nacional, incumbida por Floriano da organização da defesa, tratou de distribuir seus efetivos de modo a ocupar os principais pontos da cidade e proteger o litoral, desde a Copacabana, até o porto de Mauá, na Baía do Rio de Janeiro, bem como Guaratiba, Santa Cruz, Sepetiba, Iguaçu, Angra dos Reis, Parati, Mangaratiba, Niterói, Itaipu, Estrela, etc, a fim de evitar o desembarque dos revoltosos e assalto aos trapiches.[1] Os contingentes da Guarda Nacional foram reforçados por vários batalhões “patrióticos”, formados por voluntários dispostos a defender a cidade.

Por outro lado, o fato de se defrontarem cariocas e fluminenses com uma frente de batalha tão próxima às áreas urbanas fez com que a possibilidade de contato entre os soldados, os voluntários e seus aflitos e preocupados familiares ficasse muito facilitada. Assim, passados os primeiros grandes sustos e correrias de setembro, as escaramuças e as manobras militares foram mais ou menos se integrando ao ritmo de vida do restante da população.

O fato é que a região cortada pela Linha do Norte, particularmente o trecho fluminense além de Vigário Geral, era até então muito pouco conhecida dos cariocas da época e muito menos dos estrangeiros que chegavam ao Rio de Janeiro[2]. Dos milhares que foram obrigados a percorrer esse trecho, seja para irem a Petrópolis, seja por força de deveres militares, alguns deixaram seus registros do que então viram naquelas paragens.

O relato do capitão-tenente Conceição
É na linha de proteção em torno da baía montada pela Guarda Nacional que vamos encontrar um personagem, o jovem voluntário de nome Alfredo Conceição, cujo registro no episódio da Revolta da Armada passaria desconhecido não fosse a narrativa enviada por seu pai, o capitão-tenente Conceição, para o jornal “O País”, que a publicou na edição do dia 10 de outubro. O jovem voluntário, alistado no batalhão patriótico “23 de Novembro”, havia sido destacado para proteger a ponte sobre o rio Iguaçu, por onde corriam os trens da E. F. do Norte. Era a ponte da antiga “Passagem de S. Bento”.


Mais que dar publicidade às emoções do capitão-tenente Conceição o jornal acabou por deixar um registro interessante e raro dos primórdios daquela estrada de ferro. A narrativa constata a distribuição das tropas ao longo da estrada, mas também a precariedade do estado em que se encontrava aquela via férrea e do reduzido número de trens que faziam o percurso além do subúrbio da Penha.

A história de Conceição começa na estação de S. Francisco Xavier onde, pela manhã, toma um trem com direção à Penha, pois supunha que seu filho se encontrava acantonada na Fazenda Grande, naquele bairro. Mas antes que o trem parta recebe notícias que o batalhão tivera outro destino:

“Ao embarcar no trem, soube por oficiais que acabavam de chegar, que o batalhão 23 de Novembro se achava guardando as pontes sobre os rios Meriti e Iguaçu, da via férrea do Norte, achando-se meu filho nesta última. Estando a largar o trem, segui para a Penha, afim de lá tomar nova resolução.
Às 10 horas ali chegando, soube que só às 5 horas [da tarde] haveria outro trem para cima e que, se eu nele fosse, não voltaria no mesmo dia
[3]. Passei um telegrama a meu filho e preveni-o de que nesse trem [o das 5 da tarde] iria a muda de roupa.”O coração me ficava despedaçado, uma espécie de remorso me corroia a alma e me dizia que eu devia ver meu filho, custasse o que custasse. O chefe da estação da Penha me informara que dali ao Iguaçu havia a distancia de 20 quilômetros, distância que em três horas poderia ser vencida a pé[4]. Mas a lama escorregadia que havia sobre o leito da estrada era um obstáculo digno de ser ponderado. Entre o desejo e a ventura, o meu filho Mário [que o acompanhava na jornada junto com um empregado] entusiasmou-me. Eram 10 horas e 20 minutos quando empreendemos a marcha. Vencido o primeiro quilômetro, vi, pelo relógio, que o havíamos feito em 13 minutos; dando para os outros [quilômetros] 15 minutos, formei a intenção de às 2.1/2 da tarde abraçar meu filho, e assim foi."

Nada parece ter-lhe chamado a atenção antes de chegar à ponte sobre o rio Meriti. Ali, finalmente, encontra um grupo de soldados fazendo guarda à ponte da mesma estrada. Depois de se identificar o deixam seguir viagem e, pouco adiante, próximo ao local onde hoje está a estação Duque de Caxias, registra a presença do que seria um acampamento ou quartel, onde faz nova parada.

“Depois de pequeno descanso, empreendi de novo minha marcha. Estávamos no quilômetro 20 e a chuva começou a cair, fina, sem aragem alguma, pelo que o suor nos corria em grossos bagos[5]. Os pés se nos pesavam, graças ao acumulo da lama pegajosa nos sapatos. Raros transeuntes encontrávamos. Às 2 horas verificamos estar no quilômetro 25 e ouvimos dois tiros. Estávamos em uma curva quando, ao sairmos dela, avistamos a ponte grande do Iguaçu, sobre a qual se movia um troço de homens que pareciam satisfeitos, pelos modos por que se moviam apesar da chuva. Apertamos o passo e depois da mesma formalidade anterior aproximamo-nos da ponte, sobre a qual, empunhando a sua arma, avistei entre os outros o meu filho, que veio logo abraçar-me e ao seu irmão."


Depois é obrigado a caminhar mais alguns quilômetros até a estação de Pilar onde, às 5 da tarde, tencionava pegar o trem de volta para S. Francisco Xavier. Mas sua chegada ao ponto de partida ocorre somente às 8.1/2 da noite, com mais de duas horas de atraso sobre o horário previsto. Mas não era o fim da viagem: ainda lhe restava uma outra hora de caminhada, de S. Francisco Xavier até sua casa.

O relato de um turista estrangeiro, o médico Hänsel

Outra interessante notícia do que se passou no Rio de Janeiro naquela época foi registrada por um forasteiro, o médico alemão Emil Hänsel que esteve no Brasil nos tumultuados dias de fevereiro de 1894[6]. Hänsel presenciou a confusão em que se encontrava a baía da Guanabara ainda após cinco meses do início da contenda. Mas não fica na capital pois deve ir visitar um amigo que está em Petrópolis.

Sua viagem começa na estação da Central do Brasil, onde lhe chamam a atenção, de imediato, o baixíssimo preço das passagens, comparado com as da sua terra, a falta de uso de uniformes pelos funcionários, que eram identificados apenas por um boné, e ao tamanho acanhado daquela estação em proporção ao seu intenso movimento de passageiros.

No trajeto com destino a São Francisco Xavier o que mais lhe chamava a atenção era a presença de sentinelas em todas as estações, observando os viajantes. Depois, em S. Francisco Xavier, ao embarcar no trem para Petrópolis, anotou que a composição estava regularmente lotado, sendo que o contingente principal dos viajantes era também formado de soldados. Adentrando os chamados subúrbios da Leopoldina a igreja da Penha no alto do penhasco desperta a sua atenção, mas é novamente a presença dos militares ainda a visão mais constante:

“Na estação da Penha paramos alguns minutos. Fora transformada em vasto acampamento militar. Saltavam soldados, logo cumprimentados pelos camaradas na plataforma”.
O trecho seguinte da estrada é o mesmo que o capitão-tenente Conceição havia, meses antes, feito a pé, em companhia do filho e de um empregado. Também lhe pareceu que havia muito pouco o que registrar:


“O trem recomeçou a sua marcha e rodava aceleradamente pela baixada pantanosa, que em certos trechos mostrava mato denso e impenetrável. Só raramente via-se o casebre de um preto, que se arriscara fixar nesse terreno inóspito, para nele plantar algumas bananeiras e umas verduras, ou surgia a figura de algum cavaleiro armado, que havia saído de casa para caçar ou fazer uma visita.”
Na estação de Pilar, pouco depois de atravessar o rio Iguaçu, era feita a troca de trens. A espera foi grande o que deu ao viajante tempo suficiente para anotar o que viu.


“Cantinas só existem nas estações de trem maiores, e entre as bebidas, nelas só se vendem café, refrescos ou vinho. Mais importante é o movimento com fumo em geral e charutos, consumidos em quantidades inacreditáveis por menores e adultos de ambos os sexos. O bufê da estação em que tivemos de esperar, resumia-se numa folha de papel estendida no chão, com uma obesa e lustrosa preta agachada ao lado, a oferecer alguma frutas, já passadas, e bolinhos com enxames de moscas. Uma vasilha imunda continha um líquido pardacento. Quando um sedento dela se aproximou, perguntado se lhe queria servir um pouco de café, ela indicou-lhe um alcatruz que se encontrava ali perto e de cujo conteúdo nesse momento um cão se deleitava. O freguês desistiu e continuou com sua sede”[7].

Finalmente, depois de uma hora e meia chegou o trem que os levaria a Petrópolis. A viagem prosseguiu por regiões em que se alternavam o mato denso, uma seqüência de manguezais, e uma ampla variedade de espécies vegetais que lhe assinalavam a presença num país tropical. Com o cair da noite foi a vez de se surpreender com o vôo dos vaga-lumes, um inseto que até então desconhecia. Depois da troca de locomotivas em Raiz da Serra e novamente no Alto da Serra, o trem finalmente chegou ao seu destino, com duas horas de atraso.

Apontamentos de um historiador fluminense, Maia Forte

O historiador José Matoso Maia Forte (1873-1945) em seu conhecido “Memória da fundação de Iguaçu” deixou um registro muito interessante sobre o “ressurgimento” de Pilar, por conta do conflito de 1893[8]. Conta ele que o inesperado aumento do número de passageiros que por ali passavam em direção à Petrópolis, obrigados a passar horas aguardando os trens, estimulara o desenvolvimento de um comércio precário, porém movimentado, no local:

“Muitos anos depois de ser uma sombra da sua passada riqueza, o povoado, que era uma parada da “Leopoldina Railway” para os trens que iam e vinham de Petrópolis, teve uma época de renascimento temporário[9].
Foi em 1893 e 1894, durante a revolta de parte da esquadra no porto do Rio de Janeiro, dirigida pelo almirante Custodio de Mello.
O tráfego marítimo entre a Prainha, no Rio de Janeiro, e o porto de Mauá, e o terrestre daí à Raiz da Serra, houve, então, de ser paralisado e o transporte de mercadorias e passageiros passou a ser feito entre o subúrbio de S. Francisco Xavier, no Rio de Janeiro, e a Raiz da Serra. Pilar era o ponto de cruzamento dos trens e a permanência dos passageiros durante alguns minutos, animou os habitantes locais, os poucos que haviam ficado fiéis ao solo, a improvisarem um comércio de poucos momentos, quatro vezes por dia, servindo em um tosco rancho, construído às pressas, detestável café, águas minerais, etc, a uns, enquanto outros passageiros se abasteciam, nas mãos dos “molecotes” do povoado, de bananas, excelentes cambucás, dulcíssimos cajus e sapotis, saborosas laranjas, cuja paga lhes servia para atenuarem os efeitos da malária endêmica e da opilação”
[10].

A descrição de Maia Forte, como se percebe, não difere muito da de Hänsel quanto ao aspecto geral do lugar e, em particular, no que dizia respeito ao café ali oferecido. Do alemão não se poderia esperar que pudesse apreciar, naquelas condições, os sabores dos cambucás, cajus e sapotis, além de serem frutas que lhe seriam completamente desconhecidas. Por outro lado, o historiador fluminense é mais condescendente do que o médico alemão na questão dos horários dos trens.
(continua...)
Notas:
[1] Cf. Freire, Felisbelo. Op. cit. pg 111
[2] A última grande corrida em massa de cariocas à região havia sido em 1711, quando a capital sofreu o ataque de Duguay-Trouin. O governador na ocasião argumentou que devia priorizar a proteção ao caminho do ouro das Geraes e foi acampar com as suas tropas na Fazenda de São Bento, às margens do Rio Iguaçu, no atual município de Duque de Caxias.
[3] Em 1889 o trem fazia apenas duas viagens diárias. Levava cerca de 20 minutos para ir de S. Francisco Xavier à Penha.
[4] Na verdade a distância entre a estação da Penha e a ponte sobre o rio Iguaçu, seguindo a linha do trem, era de 17 km.
[5] Neste ponto (km. 20 da ferrovia) fica a ponte sobre o rio Sarapuí. Como o relato não menciona a existência de vigilância armada nesse local é provável que esse rio já não tivesse naquela época condições de ser navegado. Além da ponte do Sarapuí o capitão-tenente deverá ter passado também nos pontos onde existiam as paradas de Meriti, Sarapuí, Pantanal e São Bento, onde não deveria haver qualquer instalação digna de referência e que pudesse servir de apoio aos usuários da ferrovia.
[6] Hänsel, Emil “Uma excursão ao Brasil e aos estados do Prata [Ein Aufsflug nach Brasilien und den La Platastaaten]; tradução, introdução e notas de Carlos Wehrs. (Coleção Varnhagen, vol. 2).Rio de Janeiro. IHGB. 1992., 98 pp;
[7] Idem, pg. 35/36.
[8] Forte, José Matoso Maia “Memória da fundação de Iguaçú” R.Janeiro. Jornal do Comércio. 1933. pg 47/48.
[9] Vale a pena mencionar que nessa altura a estrada ainda pertencia à Cia. E. F. Leopoldina, empresa nacional, e que a Leopoldina Railway, de capitais ingleses, só assumiu a rede a partir de 1898.
[10] Forte, J.M.Maia, op. cit. pg. 47/48.

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (8)

8. As ferrovias e as grandes fugas

Na manhã do dia 13 de setembro os cariocas notaram mudanças importantes no panorama da baía. Os navios de guerra estrangeiros que se encontravam na baía da Guanabara quando se declarou a revolta tinham se mantido ali estacionados, numa posição intermediária, entre a cidade e as belonaves de Custódio. Naquela manhã, entretanto, logo se notou que os barcos estrangeiros haviam se afastado para outro local, expondo o coração da cidade ao eventual fogo dos canhões da Armada. Logo, também, a população se daria conta de que esse fato coincidia com a informação que havia circulado na véspera de que Custódio de Melo notificara os navios estrangeiros de que iria realizar importantes operações naquele espaço. Era o que bastava para que, ouvido o primeiro tiro, o pânico tomasse conta da população que, naquela altura, ainda habitava em sua grande maioria nos bairros próximos ao porto. Milhares de pessoas juntaram o que puderam e correram em busca de um transporte que as levasse para longe do alcance dos canhões e metralhadoras. Os trens que partiam da Central, por sua maior capacidade e alcance, foram os mais procurados.

No dia 15, quando a cidade recuperou o fôlego e a calma, o jornal “O País” fazia um balanço do ocorrido:

“Demos ontem notícia da alucinada fuga de grande parte da população, desde o momento em que ressoou o primeiro tiro da esquadra. A estrada de ferro Central do Brasil foi o principal escoadouro para o enorme transbordamento resultante do pânico. Na estação Central era dolorosíssimo o espetáculo que se observava. Homens, senhoras, velhos, crianças, atropeladamente, aterrorisadamente, pés no chão, muitas senhoras mesmo, atiravam-se de encontro às portas, abriam-nas alucinadamente, atiravam-se dentro dos carros, sobre os toldos, agarrados às plataformas e iam por aí adentro sem destino, em procura de um refugio, onde? Não sabiam!”
........................................................................................................................
“O que vai pelas estações dos subúrbios deve ser mencionado. Calculamos que a população destes lugares cresceu de umas 100.000 pessoas. Casas há onde estão alojadas 60 pessoas. E são verdadeiros cochicholos
[1] alguns destes prédios! Aqueles que não tinham conhecidos com residência por essas estações, peregrinaram pelas ruas e estradas até à noite, buscando então refúgio nas matas. ...”[2]

A ação dos revoltosos, de fato, envolveu vários dos barcos de guerra, como o já mencionado Aquidaban, além do Riachuelo, do Javari, do Trajano e da canhoneira Marajó, dentre outros citados pelos jornais da época. Os alvos escolhidos foram o Arsenal de Guerra, o morro do Castelo, onde o governo instalara um canhão, e, do outro lado da baía, os fortes de Santa Cruz e Gragoatá, principalmente. Mas muitos dos tiros erravam os alvos e iam atingir áreas de habitação ou comércio. Pelo menos dois civis foram mortos naquele dia.

No final do mês, dia 30, outro grande susto e o êxodo voltaria a se repetir. Dessa vez o alerta partiu dos embaixadores da Inglaterra e da França, que fizeram comunicados alarmistas aos seus compatriotas que viviam na cidade. Os avisos mencionavam a possibilidade de ocorrerem situações de anarquia e tentativas de saques em vista de uma nova ofensiva da Armada, motivo pelo que eram orientados a buscar lugares mais protegidos[3]. O resultado foi registrado pelos jornais do dia seguinte, 1º de outubro. “O País” assim descreveu o fato:

“Como no dia 13, o maior movimento de emigração foi feito por esta via férrea [a Central do Brasil]. Desde anteontem à noite fervilhavam os boatos relativos a ataque à cidade, de sorte que os trens vindo ontem dos subúrbios aqui chegaram verdadeiramente vazios. Pela manhã, ao contrário, todos os comboios saídos da estação Central iam repletos, e nos pontos até à Mangueira era enorme a aglomeração de pessoas ávidas pela chegada de um trem salvador. Ainda assim havia, por assim dizer, uma certa regularidade, uma ausência de terror, neste êxodo. Quando, porém, o primeiro indivíduo lobrigou a mensagem do Sr. Cônsul inglês e outros ouviram a notícia deste caso gravíssimo, a nova do arrasamento certo desta cidade percorreu num instante todas as localidades urbanas do Distrito Federal e a retirada em massa tornou-se alucinante, pavorosa, contristadora! [...] A afluência de passageiros à Central chegou a tais proporções, que a administração viu-se forçada a estabelecer trens extraordinários de 10 em 10 minutos, além dos da tabela. [...] Pelas informações que colhemos aqui na estação terminal, podemos assegurar que excedeu a 45.000 o número de pessoas que se apresentaram até as 5 horas da tarde e se transportaram para os subúrbios.”

Mas os sustos e as fugas da população não ficaram restritas ao Rio de Janeiro e às ameaças dos ataques dos navios revoltosos. As movimentações das tropas do governo, quando ocorriam, talvez por sugerir novas escaramuças, faziam também o povo correr para lugares mais seguros.

Um desses casos ocorreu em Macaé, no dia 9 de outubro, quando um destacamento as tropas do governo foi mandado para a região para dar proteção ao porto de Imbetiba. O resultado foi reproduzido pela Gazeta de Noticias, da capital, na edição de 13, com base na matéria divulgada dois dias antes em ”A República”, de Campos, sob o título “Alarme em Macaé”:

“Anteontem foram espalhados em Macaé boletins, nos quais a população era avisada da próxima chegada àquela cidade de uma força de 50 praças do exército, com 2 bocas de fogo. O alarma foi enorme. Muitas pessoas, propensas a verem nos tais boletins um gracejo de mau gosto, só acreditaram que a coisa era verdadeira, quando o Dr. Bento Carneiro dirigiu-se à Imbetiba, para pedir ao representante da companhia Leopoldina os seus armazéns e oficinas. [...] O sobressalto tornou-se então geral. Durante a noite de anteontem, apesar da grossa chuva que caia a cântaros, a debandada foi grande. Em canoas pelo rio, a pé pelas estradas, as famílias macaenses retiraram-se, procurando o interior. Ontem o êxodo acentuou-se: o trem do Frade e o expresso desta cidade saíram de Macaé carregados de passageiros, que foram ficando pelo caminho, muitos no entanto, vindo até Campos. Imbetiba está deserto”.[4]

O último incidente desse tipo ocorreu já no final do conflito, a 12 de março de 1894. Floriano havia mandado publicar no Diário Oficial do dia 11 um ultimato aos revoltosos. O aviso dizia que era “fixado o prazo de 48 horas, a terminar ao meio dia de terça-feira próxima, 13 do corrente, para o começo das hostilidades....”[5]. A correria para os trens e bondes se repetiu, não somente no Rio de Janeiro como também em Niterói[6].
(continua...)
Notas:
[1] Cf. Aurélio “casinhola ou aposento muito apertado”.
[2] A população recenseada em 1890 na cidade do Rio de Janeiro era de 522 mil pessoas. Nas freguesias suburbanas era de apenas 93 mil pessoas, segundo o mesmo censo.
[3] As notas dos representantes da Inglaterra e da França obrigaram o governo a fazer com que a polícia espalhasse boletins pela cidade declarando que as autoridades dispunham “de todos os elementos para manter a ordem, e que fará imediatamente fuzilar todo aquele que atentar contra a propriedade particular.” Os avisos dos embaixadores e o boletim do governo foram publicados na edição do dia 01/10/1893 de “O País”.
[4] O porto de Imbetiba, em Macaé, que ainda era utilizado para escoar a produção agrícola daquela região do estado do Rio, era servido por uma estrada de ferro que também pertenciam à Leopoldina.
[5] Cf. Figueira, Manuel Fernandes. “Memória histórica da E.F.Central do Brasil”. R.Janeiro, Imprensa Nacional, 1908. pg 380
[6] A fragilidade das defesas de Niterói acabara por forçar o governo do estado do Rio de Janeiro a transferir-se, em janeiro de 1894, para a mais distante e protegida Petrópolis.

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (5-7)

5. A tentativa de paralisar os trens da Central do Brasil
[1]. Na visão dos revoltosos, entretanto, o motivo para o fracasso da ação teria sido a precipitação do responsável pela execução do plano: os trilhos teriam sido arrancados antes da passagem do último trem, o que fez o maquinista retornar com a composição à estação Central e avisar do ocorrido aos seus superiores, desencadeando, assim, a reação do governo[2].

O renovado interesse em paralisar o sistema ferroviário, seja visando o engajamento de uma parte do operariado à causa dos revoltosos, seja com o propósito de desmoralizar o funcionamento do governo de Floriano, era uma prova da importância que tinham as ferrovias na estratégia dos líderes do movimento.

Na madrugada do dia 6 de setembro um grupo de indivíduos atacou as estações de S. Diogo, S. Cristóvão, Mangueira e S. Francisco Xavier, arrancando trilhos e danificando fios e aparelhos telegráficos. Também tentaram fazer com que os empregados da estação central abandonassem os seus postos. Mas diferentemente do que havia ocorrido em novembro de 1891, a tentativa de conflagrar os trabalhadores da Central não vingou. De acordo com um relato feito poucos anos depois do conflito, a prontidão com que teria agido o governo e a direção da ferrovia, impediu que a greve tomasse corpo
[3].

6. A interrupção do acesso a Petrópolis pelo antigo caminho de Mauá

Por uma razão ou por outra, o insucesso da empreitada inibiu a ação de convencimento dos ferroviários à paralisação grevista que se pretendia. O valor da iniciativa nem por isso deixou de ser reconhecido. Felisbelo Freire, que foi ministro das relações exteriores do governo de Floriano durante aquele período (30/04/1893-18/08/1894) escreveria mais tarde, referindo-se à ao episódio, que “A suspensão das comunicações da Capital com os estados de Minas, S. Paulo e Rio de Janeiro, seria do maior perigo no momento, para o governo, que já não exercia a menor jurisdição no porto, somente tendo a seu favor esta viação férrea, pela qual continuavam as relações comerciais daqueles estados com a praça do Rio de Janeiro e pela qual podia o governo remeter forças para Niterói e S. Paulo”
[4].

Ao tomar posse dos navios da marinha, Custódio e seus comandados trataram de preparar-se para a luta. Era necessário abastecer a esquadra de munição, combustível e alimentos para a tripulação. Fizeram-se para essa finalidade operações contra os depósitos de pólvora da Ponta da Armação, em Niterói. Vários barcos mercantes que se encontravam na baía, com alimentos, principalmente carnes, foram apresados, sendo que alguns deles chegaram mesmo a ter neles instalados equipamentos de guerra e foram depois utilizados nas escaramuças com as forças em terra. Além disso, decidiu-se paralisar as atividades da navegação civil no interior da baía, o que não chegou a se efetivar totalmente por interferência de navios de guerra estrangeiros que se encontravam no local e procuraram dar proteção aos navios de seus países e intermediar algumas condições entre as partes
[5].

Como conseqüência, ficou paralisado o movimento das barcas da Grão-Pará que faziam o referido trecho marítimo da Prainha a Mauá, em Magé. Pelo menos um dos barcos da companhia, o Dr. Coutinho, foi apresado pelos revoltosos durante o conflito. A empresa foi, em conseqüência, obrigada a transferir todas as suas operações para a Linha do Norte, cuja infra-estrutura era bastante limitada para receber a demanda que até então se dirigia à Prainha. Em termos financeiros, como se viu acima, a Grão-Pará tinha operações que eram 8 vezes maiores do que as da Linha do Norte.

Com o remanejamento das operações os serviços de atendimento aos passageiros foram transferidos para S. Francisco Xavier, aonde chegavam vindos do centro pelos trens da Central. Os serviços de cargas foram transferidos para a estação Jockey Club, atual Triagem.
Para se ter uma idéia do volume de tráfego desviado para essa linha basta lembrar os números acima mencionados sobre o faturamento dessas duas estradas em 1892, que correspondiam a uma proporção de 8,4 para 1. Com efeito, os dados disponíveis sobre o faturamento da Grão-Pará no ano de 1894, último ano do conflito, foi 446,5 contos de réis menor do que o do ano de 1892.

Entretanto, além de fazer o papel antes reservado ao caminho da Grão-Pará, a Linha do Norte também assumiu expressiva parcela do “esforço de guerra” do governo de Floriano. É que logo se revelou a importância desta estrada na logística do conflito, pois seu traçado contornava o litoral ocidental da baía da Guanabara, a poucos quilômetros da costa, o que a tornava, com alguma propriedade, uma ferrovia do “front”. E seria por isso utilizada com bastante intensidade na movimentação das tropas do governo, como se verá nos interessantes depoimentos da época, adiante reproduzidos. Apenas para se ter uma idéia do que isso pode ter significado, basta lembrar que no ano de 1984, quando Floriano deflagrou sua ofensiva contra os revoltosos, a Linha do Norte transportou 247 mil passageiros, comparativamente ao 134 mil que haviam utilizado seus trens em 1982. Como o período do conflito, nesse ano, foi até meados de março (dois meses e meio), é de se supor que grande parte do aumento, cerca de 100 mil passageiros, tenho se concentrado nesse curto período.

7. O atentado ao “Túnel Grande”

Apenas duas semanas após a fracassada tentativa de paralisar a Central do Brasil essa ferrovia tornou-se outra vez objeto da ação dos revoltosos, agora por outros meios. Dessa feita o alvo foi o estratégico e simbólico “Túnel Grande”, na linha que ligava o Rio a São Paulo e Minas Gerais. Esse túnel, inaugurado em 1865 com a presença do imperador Pedro II e da princesa Isabel, tinha 2.238 metros de extensão. Ficava a uma distância de cerca de 90 quilômetros da estação inicial, entre Rodeio (atual Paulo de Frontin) e Mendes, no estado do Rio de Janeiro, portanto mais afastado da eventual atenção das forças de Floriano. Mas era igualmente um ponto estratégico, pois ficava poucos quilômetros antes da conexão com a chamada “linha do centro”, cujos trilhos se dirigiam para a região norte do estado do Rio de Janeiro e para Minas Gerais. Interrompida a passagem sob o túnel ficaria impossibilitada a ligação com São Paulo, Minas e uma importante região do estado do Rio de Janeiro.

As informações sobre o que ali teria acontecido vieram a público apenas no mês seguinte, a 13 de outubro, quando os jornais da capital divulgaram o resultado do inquérito policial. Dizia o processo que por volta das 3 horas da madrugada do dia 22 de setembro, ocorrera uma explosão na entrada do túnel nº 13 da Central, que estava situado pouco adiante do Túnel Grande, provocada por duas bombas de dinamite atiradas por pessoas que teriam fugido à aproximação do vigilante da estrada. No mesmo dia foram presos como suspeitos os italianos Giovanni Grimaldi e Giovanni Mazzuca. Grimaldi acabou por confessar que tinha sido convidado por um seu compatriota de nome Nilo Deodati, que se dizia engenheiro, a princípio para a realização de trabalhos de mineração, mas que depois lhe teria revelado seu propósito de destruir o “Túnel Grande”. Deodati acabaria preso logo em seguida e confessado ter sido aliciado por Augusto Vinhais, em nome do almirante Custódio de Melo, para realizar a empreitada. Mais tarde afirmaria que na noite do dia 12 de setembro teria estado a bordo do Aquidaban, o navio em que Custodia havia instalado o comando da revolta, ocasião em que mantivera entendimentos com Vinhais e com o próprio almirante Melo e que nessa ocasião teria ficado acertado o plano de explodir o túnel.

Foram encontrados com Grimaldi 15 cartuchos de dinamite além de outros equipamentos que os peritos concluíram serem capazes de produzir uma bomba suficiente, se aplicado em ponto adequado, para destruir completamente qualquer túnel da estrada de ferro. Os dois cartuchos utilizados na madrugada do dia 22, diria Grimaldi, teriam sido utilizados apenas para testar a qualidade do explosivo. Talvez por isso tenha produzido apenas um pequeno estrago na boca do túnel, sem causar o impedimento da via. Grimaldi só não esperava ser surpreendido logo após o teste
(continua...)

Notas:[1] Vila-Lobos, Raul (Epaminondas Vilalba, pseud.), “A revolta da armada, de 6 de setembro de 1893”. R.Janeiro, Laemmert, 1897. pg 13[2] Anônimo (atribuído a Guanabara, Alcindo) “Notas de um revoltoso”. R.Janeiro, Tip.Morais. 1895. pp. 30[3] Freire, Felisbelo Firmo de Oliveira. História da Revolta de 6 de Setembro de 1893. Brasília, UNB. 1982. pg 113[4] Os comandantes dos navios portugueses foram os que mais se envolveram no evento e, quando vencida a revolta, acabaram por dar asilo aos revoltosos contrariando as intenções de Floriano. Por conta desse episódio as relações diplomáticas entre o Brasil e Portugal ficaram cortadas por vários anos.[5] Os resultados do inquérito foram divulgados, entre outros jornais, na Gazeta de Notícias, edição do dia 13 de outubro de 1893, 1ª página. O túnel nº 13, de 91,9 metros, que ficava um pouco adiante do “Túnel Grande”, que era o túnel nº 12.

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (3-4)

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (3-4)
3. As ferrovias na estratégia de guerra

Dois dias depois de deflagrado o movimento o tradicional Jornal do Comércio publicou um longo artigo intitulado “Os caminhos de ferro em tempo de guerra”. O autor, cujo nome não ficou registrado, começava por afirmar que a importância estratégica dos caminhos de ferro tinha sido posta em evidência em dois conflitos ocorridos no Velho Mundo, o da Criméia e o da Itália. A guerra da Criméia, uma península ao sul da Ucrânia, no mar Negro, ocorrida entre 1853 e 1856, envolveu de um lado a Rússia, e de outro uma coligação de países formada por França, Inglaterra, Turquia e outros. Durante o longo cerco de Sebastopol, onde os russos foram derrotados, os ingleses construíram uma pequena ferrovia que lhe facilitou a movimentação e principalmente o abastecimento das tropas acantonadas no porto de Balaclava. No caso da guerra da Itália, travada em 1859, Napoleão III tinha conseguido uma importante vitória estratégica ao fazer com que suas tropas, utilizando uma ferrovia, se antecipassem às do inimigo. O artigo seguia comentando como vários países haviam criado divisões militares especialmente preparadas para melhor utilizar o sistema ferroviário nas estratégias de guerra. Chegava mesmo a mencionar como essas tropas eram treinadas para a construção e gestão das ferrovias, mas também para a destruição de linhas telegráficas, pontes, túneis, trilhos e estações.

O articulista não fazia qualquer recomendação a partir daqueles ilustrativos exemplos. Mas se havia alguma mensagem para os leitores ou para o governo, era a de que o lado que conseguisse controlar o sistema ferroviário teria mais chances de ganhar a contenda. E claro, reforçava a condição de serem as ferrovias um alvo de interesse também na estratégia do inimigo.

4. As ferrovias da capital em 1893

A Estrada de Ferro Central do Brasil, pertencente ao governo federal, era a principal via de comunicação e de transporte em operação na capital do país. Além dela estavam em atividade a Estrada de Ferro Rio do Ouro e a Estrada de Ferro do Norte, esta sob controle da Companhia Leopoldina desde 1890.

A Central do Brasil, cujas operações haviam iniciado em 1858, dispunha no início de 1893 de 1.120 quilômetros de ferrovias em tráfego. Sua linha principal tinha 462 km e ia do centro da cidade do Rio de Janeiro até Queluz (atual Conselheiro Lafaiete) em Minas Gerais. A partir de Barra do Piraí, no estado do Rio de Janeiro, saíam os ramais para São Paulo e outro para Entre Rios (atual Três Rios) e Porto Novo do Cunha (atual Além Paraíba), acompanhando o trajeto do rio Paraíba do Sul.

O faturamento total dessa estrada no ano anterior havia alcançado Rs 19.869 contos de réis. Para tanto havia transportado 106 mil toneladas de café destinados ao porto do Rio de Janeiro e 550 mil toneladas de outras cargas, além de 10,7 milhões de passageiros. Destes, 8,6 milhões utilizaram os trens suburbanos da capital carioca. Suas composições percorreram 4,3 milhões de quilômetros e consumiram 79,1 mil toneladas de carvão, cujas importações se faziam principalmente pelo citado porto.

A Estrada de Ferro Rio do Ouro, assim como a Central do Brasil, era administrada pelo governo. Havia sido construída para as operar nas obras de captação das águas dos rios do Ouro, São Pedro e outros, na serra do Tinguá, para abastecimento da população do Rio de Janeiro. Seu ponto inicial ficava no cais do Caju e seguia rumo noroeste em direção a Pavuna e a atual Belfort Roxo. Além de atender às necessidades das obras a estrada havia iniciado em 1883 a prestação de serviços de passagens e cargas No início de 1893 tinha uma extensão de 82 quilômetros. e havia transportado no ano anterior cerca de 90 mil passageiros e 3,4 mil toneladas de cargas, que resultaram num faturamento de Rs 239 contos de réis.

A Estrada de Ferro do Norte ou Linha do Norte havia sido adquirida pela Companhia E. F. Leopoldina em 1890 e era, dentre as ferrovias sob controle daquela companhia, a única em operação na cidade do Rio de Janeiro. Tinha 45 quilômetros em operação desde 1888. Seu ponto inicial ficava na estação de São Francisco Xavier, da Central do Brasil, derivando para o norte até Vigário Geral e seguia, em território do estado do Rio de Janeiro, cruzando a baixada por toda a extensão do atual município de Duque de Caxias até entrar em Magé. No município de Magé a Linha do Norte se conectava próximo a Raiz da Serra (atual Vila Inhomirim) aos trilhos da histórica E. F.de Mauá. Esta pequena estrada, de apenas 16 km. saía do porto de Mauá (atual Pacobaíba) rumando para a Raiz da Serra de Petrópolis onde se ligava aos trilhos da E. F. Príncipe do Grão-Pará. Nessa época a E. F. Mauá já tinha sido integrada à Grão-Pará e esta, por sua vez, como a Linha do Norte, havia passado para o controle da Leopoldina.

Pelos trilhos da Grão-Pará, a partir de Raiz da Serra se alcançava Petrópolis e depois Areal e São José do Rio Preto, sempre em território do estado do Rio de Janeiro .

Naquela época, portanto, já se podia ir do Rio de Janeiro a Petrópolis por trem, fazendo-se as conexões entre a Central do Brasil e a Linha do Norte em S. F. Xavier e, depois, desta com a Grão-Pará em Raiz da Serra. Entretanto, a preferência dos usuários continuava sendo o trajeto que havia sido idealizado pelo Barão de Mauá, que utilizava uma linha de barcas que saía da Prainha, atual Praça Mauá, e ia até o mencionado porto de Mauá, no município de Magé; dali partia o trem da E.F. Mauá até Raiz da Serra, seguindo pela Grão-Pará até Petrópolis.

Esse caminho tinha sua preferência justificada não só pela tradição, mas principalmente porque tinha seu ponto inicial no centro da capital e junto ao porto, condição que facilitava enormemente o ir e vir dos passageiros e a movimentação das cargas . Tanto assim que no ano de 1892 a Grão-Pará (computando as operações da Prainha a S. José do Rio Preto) faturou o equivalente a Rs. 1.580 contos de réis, dos quais 47% com passagens e os outros 53% com cargas. Nesse mesmo ano a E. F. do Norte faturava apenas Rs. 188 contos de réis dos quais 71% vinham da venda de passagens (principalmente no trecho dos subúrbios do Rio de Janeiro) e apenas 29% de transporte de cargas.
Uma das conseqüências da preferência pelo antigo caminho é que a Leopoldina pouco investia na Linha do Norte. O mais estado da ferrovia havia sido inclusive constatado pelo engenheiro fiscal responsável por aquela estrada em 1892. Assim, embora ambos os caminhos pudessem levar os passageiros do centro do Rio a Petrópolis em cerca de duas horas, a viagem acabava sendo sempre mais demorada pela Linha do Norte.

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (1-2)

1. Introdução

No dia 7 de setembro de 1893 os jornais do Rio de Janeiro davam as primeiras notícias sobre o movimento comandado pelo almirante e ex-ministro Custódio José de Melo (1840-1902). No dia anterior Melo havia se apossado dos navios da marinha que se encontravam na baía da Guanabara. Noticiou-se, também, que naquele mesmo dia a Estrada de Ferro Central do Brasil sofrera uma tentativa de paralisação coordenada pelo oficial da marinha, deputado constituinte e líder operário José Augusto Vinhais (1858-?). Esses dois únicos eventos marcaram o início do que a história classificou como a Revolta da Armada.

O conflito estendeu-se até 13 de março 1894. Foram seis longos meses durante os quais o Rio de Janeiro e Niterói tiveram a sua rotina completamente subordinada às contínuas escaramuças, trocas de tiros, movimentos de tropas. Suas populações viveram situações de medo e sustos. E diferentemente do que ocorrera em um movimento da mesma natureza, em 1891, quando um único tiro lançado do mar sobre a cidade atingira o zimbório da Igreja da Candelária, a nova situação produziria dezenas de civis mortos e feridos.

Não resta dúvida de que os navios da armada constituíam a maior ameaça pois tinham poder de fogo suficiente para ameaçar as fortalezas em terra e, o que era mais importante, capacidade para bloquear as atividades do porto, então o coração da economia da capital do país[1]. Contudo, as ferrovias haviam se tornado a espinha dorsal do sistema de transportes e das comunicações telegráficas, essenciais, portanto, ao funcionamento da cidade e do próprio governo[2]. Com o bloqueio do porto e com a paralisação da ferrovia ficaria sufocada a atividade econômica e o centro do poder praticamente isolado do resto do país.

2. Antecedentes do conflito

Se a monarquia brasileira caiu porque estava politicamente fragilizada, também é verdade que os militares que depuseram D. Pedro II não tinham sustentação e unidade suficiente para manter o poder tão facilmente conquistado. Deodoro da Fonseca, chefe do movimento e do governo revolucionário que se instalou a 15 de novembro de 1889, conseguiu, não sem dificuldades, se fazer eleger presidente com base na nova Constituição. E isto no ano de 1891, apenas dois anos após ter proclamado a república. Mas Deodoro, que tinha pela frente um período de quatro anos, não conseguiu cumprir sequer o primeiro do seu mandato. A 23 de novembro desse mesmo ano, vinte dias após haver decido fechar o Congresso e decretar o estado de sítio, o marechal-presidente foi levado a demitir-se sob intensa pressão dos seus opositores.
Naquela oportunidade, como depois em 1893, duas ações ostensivas também tinham sido adotadas para mostrar a dimensão das forças de oposição a Deodoro. Uma rebelião da Marinha e uma greve dos funcionários da Central do Brasil. À frente dos movimentos os mesmos Custódio de Melo e Augusto Vinhais[3].

Coube ao Marechal Floriano Peixoto, vice de Deodoro, assumir a chefia do governo. Mas a sociedade continuava dividida. Em fevereiro de 1893 eclode o movimento “federalista”, no Rio Grande do Sul, contra o governador Julio de Castilhos, que era apoiado por Floriano. Pouco depois o governo começa a sofrer baixas em seu gabinete. A 22 de abril renuncia o ministro Limpo de Abreu, da Viação e Obras Públicas e a 27 é a vez dos ministros Serzedêlo Correa, da Fazenda, e Custodio de Mello, da Marinha, se retirarem do governo. Os dois últimos dão à divulgação manifestos expondo seus desacordos com Floriano. Logo a seguir, no início de junho, o almirante Eduardo Wandenkolk, ex-ministro de Deodoro, se incorpora ao movimento gaúcho contra Castilho, tomando posse do comando de alguns navios de guerra que estavam na região e atacando Porto Alegre. O golpe falha e Wandenkolk é novamente preso[4].

A oposição a Floriano não esmorece. No congresso, os opositores preferem organizar suas forças em função do calendário eleitoral. Na caserna, contudo, os descontentes têm pressa de mudar as coisas e raciocinam sob o efeito dos movimentos anteriores que a sociedade havia legitimado. Assim, depois de algumas hesitações entre os articuladores, o almirante Custódio de Melo é escolhido para liderar a nova revolta, declarada no dia 6 de setembro de 1893.

Continua...

Notas:
[1] Em 1893 o valor agregado das exportações e importações que foram movimentadas pelo Rio de Janeiro correspondeu a 31,9% do comércio total brasileiro naquele ano. São Paulo movimentou o equivalente a 26,1%.
[2] No final de 1890 o Brasil contava com 9,973 milhões de quilômetros de estradas de ferro em tráfego, das quais 6 milhões de quilômetros haviam sido construídos na década 1881-1890. A legislação que regulamentava as concessões de ferrovias exigia que fossem construídas linhas e postos telegráficos ao longo das novas estradas.
[3] Vinhais, um personagem hoje praticamente esquecido, havia nascido no Maranhão, em 1858, filho de um negociante português. Sentou praça na Marinha em dezembro de 1877 onde fez carreira, chegando a 1º Tenente dez anos mais tarde. Era considerado um republicano histórico e por essa razão tinha sido nomeado por Deodoro para ocupar a estratégica Repartição Geral dos Telégrafos, logo após a proclamação.
[4] Os federalistas gaúchos, entretanto, continuariam suas lutas até 1895.

13 novembro, 2006

Eng. Marcelino Ramos da Silva: notas biográficas

O construtor da Estrada de Ferro do Norte

O Engenheiro Marcelino Ramos nasceu no Rio de Janeiro, a 2 de agosto de 1844. Era filho do comendador Tristão Ramos da Silva e de Joaquina Luiza de Oliveira.

Dedicou grande parte de sua carreira à construção ferroviária, tendo sido durante muitos anos funcionário da Estrada de Ferro D. Pedro II (Central do Brasil). Por volta de 1870 ocupava um posto de Condutor de 1ª Classe. Nos dois últimos anos (1880/1881) em que trabalhou nessa estrada Marcelino Ramos era chefe de seção em Entre-Rios, na divisão responsável pela via permanente, chefiada pelo engenheiro João Teixeira Soares.

No ano de 1874 foi requisitado para compor uma comissão incumbida de estudar e propor um plano geral de melhoramentos para a cidade do Rio de Janeiro, sob os aspectos de urbanismo e saneamento. Faziam parte dessa comissão o engenheiro-militar Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim, então chefe da Inspetoria de Obras Públicas (repartição que mais tarde se transformaria no Ministério da Viação e Obras Pública, dos primeiros tempos da República), e o também engenheiro Francisco Pereira Passos, que duas décadas mais tarde, no cargo de prefeito, implementou grandes reformas que a cidade necessitava.

A partir de 1882 Marcelino dedica-se à construção de ferrovias privadas. Entre 1882 e 1883 esteve envolvido, juntamente com o engenheiro Joaquim Lisboa, na construção da Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará, na serra de Petrópolis, que dava continuidade ao projeto do Barão de Mauá iniciado em 1852-1854. Essa estrada era a primeira a utilizar no país o sistema de cremalheira “Riggenbach” para vencer a forte inclinação da via, sistema depois utilizado na E. F. do Corcovado, por Pereira Passos e Teixeira Soares.

Nos anos seguintes está engajado nas obras da Estrada de Ferro do Norte, projetada por Jerônimo Jardim, que ia de São Francisco Xavier até o entroncamento com a citada estrada de Mauá. Essa ferrovia, cruzando a baixada da Guanabara em territórios que hoje pertencem ao município de Duque de Caxias, teve o seu trecho final inaugurado em abril de 1888.

Quando foi proclamada a República, Marcelino foi um dos signatários de uma manifestação de apoio ao governo provisório promovida pelo Clube de Engenharia, em sessão realizada no dia 19 de novembro de 1889.

Em 1894 é organizada pelo governo a Comissão de Estudos e Saneamento da Baixada Fluminense, com a intenção de buscar soluções para o grave problema das áreas inundadas que eram um grande foco para a malária. Marcelino assumiu a chefia dessa comissão quando João Teixeira Soares deixou o posto.

Anos mais tarde assumiu o encargo de executar as obras de um trecho da ferrovia São Paulo – Rio Grande do Sul. Era um projeto de seu amigo Teixeira Soares, cujo objetivo era ligar a cidade do Rio de Janeiro, já conectada com São Paulo por via férrea, às regiões de fronteira no sul do país, cruzando o interior do Paraná e de Santa Catarina. O trecho que coube a Marcelino, de 179,9 quilômetros, ligava a cidade de Passo Fundo ao rio Uruguai, na fronteira com o estado de Santa Catarina.

As obras foram concluídas em outubro desse mesmo ano, e em dezembro ficou pronta a ponte provisória que ligava essa estrada ao trecho também concluído no estado de Santa Catarina. Seria seu último trabalho. Nesse mesmo mês de dezembro, no dia 26, Marcelino Ramos faleceu, no Rio de Janeiro.

Em sua homenagem a estação próxima ao rio Uruguai, no trecho que ele havia construído foi batizada com o seu nome. Hoje é um importante município daquele estado.



Bibliografia:
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, várias edições,
Barata, Carlos Eduardo e Bueno, Antônio da Cunha Dicionário das Famílias Brasileiras. Ed. Árvore da Terra. 2001. 2 v. (verbetes “Oliveira” e “Torres Oliveira”)
Brasil, Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Relatório Anual, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, várias edições
Figueira, Manuel Fernandes. Memória histórica da estrada de ferro central do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. 960 p
Rodrigues, Helio Suêvo. A formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: o resgate de sua memória. Rio de Janeiro, Memória do Trem, 2004. 192 p.
Telles, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX. R.Janeiro, Liv.Tecnicos e Científicos. 1984, 510 p.

08 novembro, 2006

Barão do Rosário: notas biográficas

O primeiro gestor da Leopoldina Railway (1898)

João José do Rosário fez uma longa e profícua carreira no Ministério da Fazenda, na segunda metade do século 19. Foi um especialista na área de orçamento e controle da dívida pública.

Consta que em 1866 já ocupava um posto de Segundo Escriturário na Diretoria Geral de Contabilidade. Dois anos depois foi comissionado para uma missão especial, em Londres, como Delegado do Tesouro, nomeado por decreto imperial. Ficou lá até 1873. De volta ao Brasil foi promovido, em 1875, a Primeiro Escriturário. No ano de 1879 assumiu o cargo de Contador na 1ª Contadoria da Diretoria Geral de Tomada de Contas, sempre no mesmo ministério.

Nesse mesmo ano foi um dos 14 especialistas consultados pelo titular da pasta, o Visconde de Ouro Preto, sobre alternativas para a criação de novos impostos que pudessem equilibrar as finanças do governo. Seu parecer foi um dos mais bem elaborados, com sugestões oportunas e judiciosas que seriam citadas, duas décadas mais tarde, por Rui Barbosa, ministro da Fazenda dos primeiros tempos da República, então exigido a se preocupar com aquele tema. As referências de Rui fizeram aumentar a notoriedade de Rosário e valeu para incluí-lo como um dos precursores da introdução desse imposto no Brasil.

Em 1880 retornou à sua Diretoria de origem assumindo o cargo de Contador da 2ª Contadoria onde ficou até ser convocado, em 1884, para ocupar o importante cargo de Inspetor Geral, principal executivo da Caixa de Amortização, instituição que era responsável pela gestão da dívida pública, governada por uma Junta presidida pelo Ministro da Fazenda. Em 1885 assumiu o posto de Diretor Geral de Contabilidade do Tesouro onde ficou, pelo menos, até 1889. Nesse ano era, também, um dos membros do Tribunal do Tesouro Nacional, outro colegiado presidido pelo ministro da Fazenda.

Foi agraciado pelo Imperador Pedro II, com o título de Barão do Rosário a 5 de maio de 1889.
Em 1896 a Estrada de Ferro Leopoldina estava afundada em dívidas quando sobreveio o escândalo da Cia. Geral de Estradas de Ferro do Brasil, uma espécie de “holding” que controlava a Leopoldina. Naquela altura essa ferrovia era ainda presidida pelo Conselheiro Paulino, um histórico político do império aposentado de seu cargo de presidente do Senado pelo movimento chefiado por Deodoro. Paulino ainda tentou negociar a salvação da empresa, mas não teve êxito e a Leopoldina acabou tendo a sua liquidação forçada pelos credores, na sua maioria ingleses. É nesse momento que entra em cena o Barão do Rosário, experimentado negociador de grandes dívidas, fluente em inglês e grande conhecedor dos financistas daquele país.

O Barão está presente, em 16 de novembro de 1897, à assembléia dos credores da Leopoldina que definiu as condições de liquidação daquela empresa. Decidida a transferência das ferrovias que era concessionária para a recém constituída Leopoldina Railway, os ingleses detentores do seu controle, encontraram no Barão do Rosário a pessoa que talvez tivesse, naquelas circunstâncias, os melhores predicados para gerenciá-la. Mas como preposto dos ingleses careciam-lhe as condições para repetir a habilidade negociadora que havia marcado a gestão do Conselheiro Paulino durante o período mais difícil da empresa antecessora.

Um de primeiros desafios de sua gestão lhe foi apresentado pelo advogado José Antonio Pedreira de Magalhães Castro, representante de fazendeiros e comerciantes do rio Iguaçu. Eles tinham uma dívida a cobrar da Leopoldina por terem ganho uma demanda judicial contra uma das ferrovias que agora fazia parte do patrimônio da Leopoldina Railway. O caso dizia respeito à Estrada de Ferro do Norte, que fazia a ligação entre São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro, e o entroncamento com a antiga estrada de Mauá a Raiz da Serra, no município de Magé. Essa estrada havia construído uma ponte sobre o canal do rio Iguaçu que impediu a navegação dos saveiros dos tradicionais usuários do rio. Os iguaçuanos moveram então, ainda no ano de 1886, uma ação demolitória que só veio a receber a sentença definitiva em 1889, já quando a ferrovia estava sob controle da antiga Leopoldina. Por contas das dificuldades financeiras da empresa e das habilidades negociadoras do Conselheiro Paulino, a execução da sentença foi sendo protelada na expectativa de uma indenização em dinheiro em troca da citada demolição. A posição de Rosário em relação à pendência parece não ter dado esperanças aos iguaçuanos sobre a tão esperada indenização. Assim, e após algumas trocas de acusações mútuas pela imprensa, entre o advogado dos iguaçuanos e o Barão do Rosário, a ponte acabou por ser demolida em outubro de 1898, com prejuízo para o fluxo de trens naquela importante linha. O tráfego normal só seria reaberto em janeiro de 1901, através de uma nova ponte, levadiça, para dar passagem aos barcos.

Anos mais tarde, depois de se desligar da Leopoldina, o Barão do Rosário voltou a viver em Londres, quando passou a integrar um ilustrado grupo de correspondentes estrangeiros que colaboravam com o Jornal do Brasil.





Bibliografia:
Almanak Laemmert, R.Janeiro, Tip.Laemmert, várias edições
Brasil, Ministério da Fazenda, Relatórios. R.Janeiro, Imp. Nacional, várias edições.
Brasil, Ministério da Fazenda, informações acessadas em 30/09/2006 no site http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/SRF/Historia
Gontijo, Silvana. A Imprensa no século XX, in O Mundo em Comunicação. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001, consultado em 16/10/2006 no site http://www.manonitas.com.br/transf/martins/uniban/luci/2006.03.06.
a_imprensa_no seculo_xx.doc.
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Magalhães Junior, R. Deodoro: a espada contra o Império. S.Paulo. Ed.Nacional. 1957. 2 vol.

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 - Anexo

O depoimento do capitão-tenente Conceição



 Foto de Juan Gutierrez; acervo do Museu Histórico Nacional Fortificação passageira com soldados e oficiais da artilharia, 1894.

Com seus trilhos correndo paralelamente às margens da baía da Guanabara, então ocupada pela esquadra revoltada do Almirante Custódio de Mello, a Estrada de Ferro do Norte tornou-se, desde o início das hostilidades, uma peça estratégica importante para o esquema de defesa do Marechal Floriano Peixoto e do seu governo. A interdição dos serviços de barcas entre a capital e o porto de Mauá, em Magé, tornara aquela ferrovia o único acesso à Fábrica de Pólvora, em Estrela, ao norte da baía. Era também o melhor caminho para se chegar a Petrópolis, que havia sido promovida a capital do Estado do Rio de Janeiro, face à grande exposição de Niterói às forças comandadas por Custódio. Por tudo isso aquela ferrovia viria a ser intensamente utilizada pelas tropas do governo, nos meses seguintes, como meio de transporte para soldados e equipamentos bélicos. Mas era igualmente importante protegê-la, pois as pontes sobre o Meriti, o Iguaçu e vários outros rios da região por onde corriam os seus trilhos, eram peças vulneráveis e possíveis alvos de ataques ou sabotagem. Além do mais aqueles rios eram razoavelmente navegáveis e por eles seria possível que os revoltosos fizessem incursões em terra para se abastecer ou para estabelecer bases de ocupação. As pontes, portanto, mereciam enorme atenção das tropas, tanto como objeto de proteção mas, também, como um posto de defesa para conter eventuais tentativas de infiltração através dos rios.

Por outro lado, o fato de se defrontarem os cariocas e fluminenses com uma frente de batalha tão próxima às áreas urbanas, fez com que a possibilidade de contato entre os soldados e seus aflitos e preocupados familiares ficasse muito facilitada. Passado o primeiro grande susto, que levou milhares de pessoas a lotar as estações ferroviárias e a buscar outros meios de transporte que pudessem retirar suas famílias da linha de tiro dos canhões do Aquidabã e das outras belonaves sob o controle do almirante, as escaramuças e as manobras militares forma se incorporando no ritmo de vida da população.

A história de um desses muitos contatos ficou registrada por “O País”, um dos principais jornais da época, publicada na edição do dia 10 de outubro de 1893. Era a reprodução de uma carta endereçada por um leitor, o capitão-tenente Conceição, descrevendo o encontro com o filho, alistado em um batalhão de voluntários e enviado para defender a ponte da ferrovia sobre o rio Iguaçu, na chamada “Passagem de São Bento”. A revolta havia sido deflagrada a pouco mais de um mês, no dia 6 de setembro, e as pessoas ainda não tinham uma idéia clara do que poderia resultar daquela confusão. Portanto, as primeiras sensações que a contenda inspirava estavam bastante vivas e transparecem claramente do depoimento do capitão-tenente, em meio, como seria natural, às preocupações mais pessoais sobre o bem-estar do ente querido.
Por seu valor testemunhal sobre o que se passava ao longo daquela ferrovia, reproduz-se, a seguir os principais trechos da longa narrativa publicada pelo jornal.

“Ansioso por saber notícias positivas acerca da localidade e bem estar do meu filho Alfredo Conceição, há dias internado com o batalhão patriótico 23 de Novembro, dirigi-me ontem, 8, de manhã à estação de S. Francisco Xavier, da estrada de ferro do Norte, onde acompanhado de meu filho Mário, aluno do colégio militar, e de um fâmulo, tomei o trem para a Penha, supondo dali dirigir-me à Fazenda Grande, onde contava encontrar o ente querido, a quem eu ia levar o conforto paternal[1]. Ao embarcar no trem, soube por oficiais que acabavam de chegar, que o batalhão 23 de Novembro se achava guardando as pontes sobre os rios Meriti e Iguaçu, da via férrea do Norte, achando-se meu filho nesta última. Estando a largar o trem, segui para a Penha, afim de lá tomar nova resolução.
Às 10 horas ali chegando, soube que só às 5 horas [da tarde] haveria outro trem para cima e que, se eu nele fosse, não voltaria no mesmo dia
[2]. Passei um telegrama a meu filho e preveni-o de que nesse trem [o das 5 da tarde] iria a muda de roupa[3].
O coração me ficava despedaçado, uma espécie de remorso me corroia a alma e me dizia que eu devia ver meu filho, custasse o que custasse. O chefe da estação da Penha me informara que dali ao Iguaçu havia a distancia de 20 quilômetros, distância que em três horas poderia ser vencida a pé
[4]. Mas a lama escorregadia que havia sobre o leito da estrada era um obstáculo digno de ser ponderado. Entre o desejo e a ventura, o meu filho Mário entusiasmou-me. Eram 10 horas e 20 minutos quando empreendemos a marcha. Vencido o primeiro quilômetro, vi, pelo relógio, que o havíamos feito em 13 minutos; dando para os outros [quilômetros] 15 minutos, formei a intenção de às 2.1/2 da tarde abraçar meu filho, e assim foi.
Ao meio-dia avistávamos a ponte sobre o rio Meriti e, quando nos achávamos a 500 metros, eis que surgem de trás das colunas alguns vultos humanos encapotados, os quais, empunhando armas, puseram-se em atitude de obstar-nos a marcha, intimando-nos a grandes brados:
“- Faça alto!”
Obedecemos, e depois que por meio de gritos expliquei-me, recebi a ordem de
“- Pode chegar.”
Aquilatei por isso que os rapazes, apesar da noite cruel por que passaram anteriormente, estavam alerta, firmes e resolutos.
Chegado à ponte, verifiquei isso mesmo e mais, que até àquela hora não tinham almoçado os que a guardavam. Eu mesmo tive de levar o recado ao quartel do posto, dali a 2 quilômetros, onde à meia-hora depois do meio-dia cheguei, tendo a satisfação de ter encontrado em caminho o troço [grupo] que ia render os outro
[5]s.
Depois de pequeno descanso, empreendi de novo minha marcha. Estávamos no quilômetro 20 e a chuva começou a cair, fina, sem aragem alguma, pelo que o suor nos corria em grossos bagos
[6]. Os pés se nos pesavam, graças ao acumulo da lama pegajosa nos sapatos. Raros transeuntes encontrávamos. Às 2 horas verificamos estar no quilômetro 25 e ouvimos dois tiros. Estávamos em uma curva quando, ao sairmos dela, avistamos a ponte grande do Iguaçu, sobre a qual se movia um troço de homens que pareciam satisfeitos, pelos modos por que se moviam apesar da chuva. Apertamos o passo e depois da mesma formalidade anterior aproximamo-nos da ponte, sobre a qual, empunhando a sua arma, avistei entre os outros o meu filho, que veio logo abraçar-me e ao seu irmão.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Tive ocasião de verificar o bom espírito dos voluntários, a decidida vigilância que eles exercem e o desejo ardente que nutrem de se medirem com os inimigos da República.
Já tinham almoçado, sendo-lhe a comida feita por contrato, da estação do Pilar, dali a 3 quilômetros, em troly.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Confortei meu filho, aconselhei-o a uma boa disciplina, não obstante o digno comandante major Dr. Moraes e capitão Elídio afirmarem-me o seu excelente modo de proceder; fiz-lhe ver que o voluntário, mais que outro qualquer, tem o dever de ser o tipo do soldado, e às 5 horas fui tomar o trem no Pilar, chegando a S. Francisco Xavier às 8.1/2 da noite e à casa, estropiado, às 9.1/2.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .”.
Notas:
[1] A Fazenda Grande era uma gleba de terra onde se desenvolveu o bairro da Penha.
[2] Em 1889 o trem fazia apenas duas viagens diárias. Levava cerca de 20 minutos para ir de S. Francisco Xavier à Penha.
[3] Uma das condições para a concessão de ferrovias na época é que as empresas concessionárias construíssem linhas telegráficas interligando as estações.
[4] Na verdade a distância entre a estação da Penha e a ponte sobre o rio Iguaçu, seguindo a linha do trem, era de 17 km.
[5] Ficaria próximo à atual estação Duque de Caxias, que dista 1.700 metros da ponte do Meriti.
[6] Neste ponto (km. 20 da ferrovia) fica a ponte sobre o rio Sarapuí. Como o relato não menciona a existência de vigilância armada nesse local é provável que esse rio já não tivesse naquela época condições de ser navegado. Além da ponte do Sarapuí o capitão-tenente deverá ter passado também nos pontos onde existiam as paradas de Meriti, Sarapuí, Pantanal e São Bento. Nesses pontos não deveria haver qualquer instalação digna de referência e que pudesse servir de apoio aos utilizadores da ferrovia.

02 novembro, 2006

Luis Plínio de Oliveira: notas biográficas

O Primeiro Presidente da E. F. do Norte


O Comendador Luiz Plínio de Oliveira (06.07.1834 – 22.05.1909) foi o primeiro presidente da empresa constituída em novembro de 1883 para construir e explorar uma ferrovia ligando a cidade do Rio de Janeiro à raiz da serra de Petrópolis: a Estrada de Ferro do Norte. A concessão havia sido aprovada no ano anterior em favor do cidadão Abílio Luiz Pereira da Silva.

O presidente da E. F. do Norte nasceu no Rio de Janeiro, filho do Conselheiro Candido Batista de Oliveira, gaúcho de Porto Alegre (1801-1865) e de Ana Chagas. O pai, formado na Universidade de Coimbra em matemática e filosofia, havia sido uma importante figura do Império, tendo ocupado inúmeros postos no governo. Foi embaixador, ministro, deputado, senador e professor. Uma das atividades em que mais se destacou, desde 1826, foi voltada para a adoção do sistema métrico, proposta que finalmente tornou-se lei em 1862. Entretanto, Candido não chegou a ver a sua implantação efetivada, tendo falecido no ano de 1865, quando era senador. O sistema métrico seria colocado em operação apenas em 1872.

A carreira pública de Plínio de Oliveira não seria tão brilhante quanto a do pai. Em 1860 era um 2º Oficial no Ministério dos Estrangeiros (Relações Exteriores) onde ficou até 1865. Nesse ano foi convidado para assumir a Diretoria dos Correios, órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Sua nomeação teria sido justificada por um estudo que havia publicado em 1862 sobre a organização dos serviços dos correios da Inglaterra e da França. O relatório de 1866 do ministro Antonio Francisco de Paula Souza (1819-1866), não lhe poupava elogios:

“Convencido de que o serviço do correio é um dos ramos da administração pública que mais desvelos deve merecer os poderes do estado, tratei de dar execução ao decreto nº 3443 de 12 de abril de 1865, que aprovou o novo regulamento postal do império. Convencido, ainda, de que a perfeição deste serviço muito depende do conhecimento prático do jogo material das diferentes partes do mecanismo, de que se compõem esta repartição, e havendo ficada extinta a 4ª diretoria desta Secretaria de Estado, coloquei à testa da administração do correio o Sr. Luiz Plínio de Oliveira, o qual às habilitações especiais adquiridas em diversos países da Europa reunia um zelo, dedicação ao trabalho e traquejo dos negócios tão notáveis como sua modéstia e probidade”.

Plínio de Oliveira parece ter-se dedicado com afinco às suas novas responsabilidades ficando no cargo durante quinze anos, até 1880. Durante a sua gestão deu-se a implementação de importantes inovações nos serviços postais brasileiros. Logo em 1866 foram lançados os primeiros selos picotados e os selos contendo a efígie do Imperador Pedro II. Em 1872 é a vez do lançamento dos primeiros cartões postais ilustrados. Os primeiros selos postais em duas cores foi uma inovação lançada no ano de 1878. Dois anos depois os bilhetes postais foram instituídos no Brasil.

Tais realizações renderam ao Diretor dos Correios algumas condecorações. Foi Moço Fidalgo com exercício na Casa Imperial, Comendador da Real e Distinta Ordem Espanhola de Carlos III, da Real Ordem Belga de Leopoldo, Prussiana da Coroa e da Coroa Italiana.

A gestão de Plínio de Oliveira à frente da Estrada de Ferro do Norte foi bem mais curta que nos Correios. Durou até o mês de abril de 1888, quando ficou concluído o trecho final da ferrovia, ligando a Vila do Pilar ao entroncamento com a ferrovia que havia sido inaugurada em 1854 pelo Barão de Mauá. [Esse entroncamento fica onde é hoje a estação de Piabetá.] Na data da inauguração já estavam finalizadas as negociações de venda da estrada para a firma inglesa “The Rio de Janeiro & Northern Railway”. Sua época foi, portanto, a da construção da estrada, ainda que nesse período a ferrovia já conseguisse obter receitas crescentes apenas com o transporte de passageiros dos subúrbios do Rio de Janeiro.

Durante sua administração a empresa enfrentou alguns processos judiciais decorrentes do andamento das obras. O mais importante deles foi o que envolveu a construção de um conjunto de pontes sobre o rio Iguaçu, no ano de 1886. A polêmica se deu porque os moradores da região viram-se impedidos de continuar utilizando o rio para a navegação dos saveiros, embarcações com mastros mais altos para transporte de carga até o porto do Rio de Janeiro. A disputa foi acirrada e apesar do grande poder que as ferrovias tinham naquele período a justiça deu ganho de causa aos antigos usuários do rio. Mas a questão só foi encerrada em 1898, quando aquela estrada já estava sob controle da “The Leopoldina Railway”. Sem acordo, executou-se a demolição da ponte construída sobre o canal do mencionado rio, tendo que ser feita uma nova, porém com uma viga levadiça para dar passagem aos saveiros.

Ao que parece, as atividades profissionais do Comendador e de outros membros da sua família tinham profundas ligações com o setor de transportes. Seu pai chegara a obter, em 1856, uma concessão para explorar uma linha de bondes no Jardim Botânico, mas o projeto acabou sendo transferido para o Barão de Mauá, em 1862. Um dos irmãos de Plínio de Oliveira, Januário Candido de Oliveira, era engenheiro e havia sido funcionário da Central do Brasil, em meados de 1860. Em 1872 Januário e um outro irmão, Eugênio Batista de Oliveira, obtêm a concessão para constituir um serviço de bondes e o plano inclinado de Santa Tereza, o único ainda em atividade naquela capital. As próprias atividades de Plínio de Oliveira nos Correios eram, em sua essência, o gerenciamento do transporte e distribuição de correspondência, embora utilizando em grande parte meios de terceiros. Plínio ainda conseguiria, no ano de 1886, através da E. F. do Norte, a concessão para a construção de um ramal ligando um ponto nas imediações da rua Mariz e Barros ao alto da Boa Vista, na Tijuca, num trecho de 7.900 metros. Essa concessão seria transferida em 1890 para a E. F. da Tijuca.

Luiz Plínio foi casado com Maria Carolina Torres (1847-1885), filha do Barão de Itambi, Candido Rodrigues Torres (1806-1877). Faleceu no Rio de Janeiro, a 22 de maio de 1909, aos 74 anos.

(texto revisado em 19/11/2006)



Bibliografia:
Almanak Laemmert, R.Janeiro, Tip.Laemmert, várias edições
Barata, Carlos Eduardo e Bueno, Antônio da Cunha Dicionário das Famílias Brasileiras. Ed. Árvore da Terra. 2001. 2 v. (verbetes “Oliveira” e “Torres Oliveira”)
Blake, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionario Bibliografico Brasileiro.Rio de Janeiro. Tip. Nacional, 1883-1902. 7 v
Brasil, Min.Agricultura, Comércio e Obras Públicas, R. Janeiro, várias edições
Brasil, Senado Federal.
http://www.senado.gov.br/sf/senadores%20acessado%20em%20out.2006
Dias, José Luciano de Mattos. Medida, normalização e qualidade; aspectos da história da metrologia no Brasil. Rio de Janeiro: Ilustrações, 1998. 292 p. Disponível em
http://www.inmetro.gov.br/noticias/livrometrologia.asp acessado em out/2006.
Jornal do Comércio, R.Janeiro, edição do dia 23/05/1909, p.13
Santos, Francisco A. de Noronha. Meios de Transporte no Rio de Janeiro, R.Janeiro. Tip.Jornal do Comercio. 1934. 2 vol.

31 outubro, 2006

Eng. Jerônimo Jardim: notas biográficas

O autor do projeto da Estrada de Ferro do Norte
(1) Grande conhecedor da região da baixada


O engenheiro Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim foi o responsável pela elaboração do projeto para a construção da Estrada de Ferro do Norte.

Essa ferrovia, cujo concessionário era Alípio Luis Pereira da Silva, iria ligar a cidade do Rio de Janeiro à raiz da serra de Petrópolis, no município de Magé, então Província do Rio de Janeiro. O ponto inicial seria junto à estação de São Francisco Xavier da Estrada de Ferro Central do Brasil e seu ponto terminal no entroncamento com a ferrovia que ligava o porto de Mauá à raiz da serra, a primeira construída no Brasil pelo Barão de Mauá. No ano em que foi dada a concessão para a E.F.do Norte já estava em execução o trecho da subida da serra, até a cidade de Petrópolis, que pertencia a Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará, sucessora da empresa do Barão de Mauá. Esse trecho foi inaugurado em 1883.

Morais Jardim era grande conhecedor da geografia da baixada da Guanabara. Ali havia trabalhado por quase toda a década anterior na construção de um sistema para o abastecimento de água da capital. Era então o chefe da importante Inspetoria Geral de Obras Públicas, responsável pela realização ou contratação das obras de interesse do governo central. Como a vazão dos rios próximos ao núcleo urbano, era insuficiente para atender à população de, então, 300 mil habitantes, foi preciso captar as águas nas nascentes do rios São Pedro e rio do Ouro, na Serra do Tinguá. Ademais, como as condições pantanosas da região dificultavam o acesso e o transporte dos trabalhadores e do material, teve de ser construída uma pequena ferrovia, depois chamada Estrada de Ferro Rio do Ouro, que ia da Ponta do Caju até o sopé da serra onde estavam os mananciais.

Com toda essa experiência e desligado do serviço público desde inícios de 1881, Morais Jardim aceitou o desafio de projetar o traçado da nova estrada, cujo decreto de concessão foi publicado em 1882. Em setembro do ano seguinte o governo aprovou o projeto e autorizou o início da construção.

As obras, entretanto, seriam iniciadas apenas no ano seguinte quando a empresa foi formalmente constituída, sob a presidência do Comendador Luis Plínio de Oliveira. Oliveira era ex-diretor geral dos Correios e havia sido contemporâneo de Morais Jardim no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de onde se desligara também em 1880. Foi chamado para assumir a responsabilidade das obras Marcelino Ramos da Silva, engenheiro que havia participado da construção da referida E. F. Grão-Pará, na subida da serra de Petrópolis, e contratados como empreiteiros os também engenheiros João Ferreira Ramos e João Henrique Costard.

Como obra de engenharia a Estrada de Ferro do Norte não apresentava características que lhe dessem maior destaque, a não ser a dificuldade de encontrar os caminhos adequados para fugir às extensas zonas alagáveis típicas da região, que Morais Jardim já conhecia nos traçados das outras ferrovias locais. As dificuldades maiores terão sido de natureza orçamentária, pois, apesar de seus pouco mais de 45 quilômetros de extensão, a estrada só ficou pronta em 1888.

Foi certamente na busca de soluções com os menores custos possíveis que o projeto previu um conjunto de pontes sobre o rio Iguaçu cuja altura era inferior à que seria necessária para dar passagem aos barcos à vela que por ali trafegavam. Os proprietários protestaram e a discussão foi para a justiça. Depois de tramitar por quatro tribunais a sentença final acabou por dar ganho de causa para os usuários do rio. Mas só depois de mais dez anos de negociações infrutíferas, é que a polêmica teve seu desfecho, com a demolição da ponte, mais tarde substituída por uma nova com sistema de elevação para permitir o transito dos barcos.

(2) Outros dados biográficos
Morais Jardim nasceu em Goiás a 12 de fevereiro de 1838 na antiga capital do estado, hoje conhecida como Goiás Velho. Era filho do coronel Joaquim Rodrigues de Morais Jardim e de D. Maria Altina Jardim.


Depois de concluir os primeiros estudos na cidade natal, Morais Jardim foi para o Rio de Janeiro matriculando-se na Escola Militar. Passou para a Escola Central onde se formou em Engenharia Militar e Civil, além de graduar-se em Matemática e Ciências Físicas.

Depois de alguns trabalhos de engenharia militar no Pará e Paraná participou da Guerra do Paraguai. Retornando ao Rio de Janeiro em 1870 foi promovido a Major e nomeado Ajudante da Inspeção Geral de Obras Públicas. Foi nomeado para chefiar a Inspetoria a 28 de abril de 1873, posto que ocupou até 1880 debruçando-se desde logo sobre o problema do abastecimento de água para a Capital, e executando um importante projeto de captação da água dos rios São Pedro e do Ouro, na Serra do Tinguá, para o que foi necessário, inclusive, a construção de uma ferrovia de apoio às obras, a E. F. Rio do Ouro. É de 1874 o mapa anexo que reproduz o projeto inicial de captação das águas dos rios da vertente sul daquela serra, com a quantificação do seu potencial estimado.

Em 1876 Jerônimo Jardim foi nomeado para compor uma comissão, juntamente com os também engenheiros Marcelino Ramos da Silva (1844 -1910) e Francisco Pereira Passos (1836-1913) para propor um projeto de modernização do traçado das ruas da capital, trabalho que foi retomado e executado por este último em 1902-1906, já como prefeito.

No ano de 1880 foi indicado pelo seu estado para ocupar uma cadeira na Câmara de Deputados, sendo reconduzido em 1884. É nessa época que realiza o projeto da Estrada de Ferro do Norte.
Em 11 de setembro de 1889 foi nomeado pelo Imperador D. Pedro II para ocupar a presidência da Província do Ceará, tomando posse a 11 de outubro. Deixou o cargo logo depois, a 16 de novembro, por conta do movimento que proclamou a República.

O desgaste político pela ascensão dos republicanos não afetou seu conceito profissional. De volta ao Rio de Janeiro foi nomeado em 1890, pelo governo provisório do marechal Deodoro, para dirigir uma comissão de especialistas com a finalidade de propor um Plano Geral de Viação para o país. Seria a primeira iniciativa governamental dessa natureza.

Os militares estão divididos. Já sob a nova constituição de 1891 Deodoro renuncia à presidência e assume o vice, Floriano Peixoto. Jardim decide aposentar a farda e em novembro de 1892 é reformado do exército no posto de marechal. É como civil que seu nome é mencionado, ao final de agosto de 1893, numa lista de personalidades que os jornalistas registraram defronte ao edifício do Supremo Tribunal na manifestação de apoio ao contra-almirante Wandenkolk, que havia sido preso no Rio Grande do Sul. Todos estavam contra Floriano.
Com a posse do civil Prudente de Morais na presidência, em novembro de 1894, Jardim foi convidado a assumir a direção da Estrada de Ferro Central do Brasil, tendo permanecido no cargo até novembro de 1896. Depois de sua saída foi homenageado pela empresa, que batizou com o nome de “Marechal Jardim” um novo posto telegráfico, instalado ao longo da ferrovia Rio – São Paulo. Inaugurado a 8 de março de 1898, o posto foi mais tarde transformado em estação. Com o desenvolvimento posterior da região o local se transformou, hoje, num bairro da cidade de Itatiaia (RJ).
A 27 de junho de 1898, a convite do presidente da República, tomou posse no cargo de ministro da Viação e Obras Públicas, ali permanecendo até a conclusão do mandato presidencial, a 15 de novembro daquele mesmo ano. Foi seu último cargo público e por certo o mais importante.
Talvez não esperasse que fossem terminar, justamente na sua gestão, os lances finais da antiga disputa sobre a ponte no rio Iguaçu, a mesma que projetara 15 anos antes para a Estrada de Ferro do Norte.

Morais Jardim foi casado com a filha do senador goiano, Manoel de Assis Mascarenhas, também nascido em Goiás Velho. Faleceu a 16 de setembro de 1916, no Rio de Janeiro.
(texto revisado em 19/11/2006)


Bibliografia:
Figueira, Manuel Fernandes. Memória histórica da estrada de ferro central do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. 960 p
Abranchse, Dunshee. Governos e Congresso da República dos Estados Unidos do Brasil, S.Paulo, M. Abranches, 1918. 2 v.
Telles, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX. R.Janeiro, Liv.Tecnicos e Científicos. 1984, 510 p.
Cerqueira, Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870. Rio de Janeiro: Bibliex, 1980. 341 p
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, várias edições,
Brasil, Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Relatório Anual, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, várias edições
Gazeta de Notícias, R. Janeiro, edição de 17/09/1916.


Eng. Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim