19 janeiro, 2007

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (10-11)

10.A fábrica de pólvora da Estrela e a base revoltosa em Magé


No norte da baía um local de preocupação a defender era a Fábrica de Pólvora, no município de Estrela, nas proximidades de Raiz da Serra (Inhomirim). Esse ponto seria facilmente alcançável pela ferrovia de Mauá, que saía do Porto de Mauá e ia até a Raiz da Serra. Para evitar surpresas o governo tratou de suspender o tráfego no trecho daquela estrada compreendido entre a porto de Mauá e o entroncamento com a Estrada de Ferro do Norte. A decisão foi determinada pelo ministro da Viação, João Felipe Pereira, a 7 de outubro de 1893[1].

Mas as preocupações com a Fábrica de Pólvora não ficaram por ali. Ainda no final daquele ano o engenheiro-chefe da Central formalizou a apresentação de um projeto para a construção de um ramal ligando a mencionada fábrica aos trilhos da E. F. do Norte, em Raiz da Serra. A 16 de janeiro do ano seguinte o ministro solicita ao diretor da Central do Brasil que adote as providências para que o ramal seja construído, com as despesas correndo por conta do Ministério da Guerra, e autorizando-o a fazer os entendimentos que fossem precisos com a direção da Leopoldina[2].

À distância de pouco mais de 15 quilômetros a leste do entroncamento entre a E. F. do Norte e a E. F. Mauá (atual estação Piabetá) estava a cidade de Magé no extremo norte da baía. Ali se tinha instalado a que talvez tenha sido a única base em terra conquistadas pelo grupo de Custódio[3]. Em novembro de 1893 o ex-deputado Vinhais, depois das suas fracassadas tentativas de desarticular a ligações da capital pela estrada de ferro Central do Brasil, se dirigiu para essa cidade ocupando-a sem reação dos locais. A partir daí Magé se converteu num ponto de apoio aos navios da Armada, fornecendo-lhes principalmente alimentos para o pessoal embarcado. Naquela época ainda não havia sido construída a ligação ferroviária entre a E. F. do Norte e as linhas que iam ter a Porto das Caixas e Niterói. Aquela estrada havia solicitado e obtido ainda em 1888 a concessão para estender o traçado da ferrovia até Porto das Caixas passando por Magé. Entretanto, apesar de aprovado o projeto a companhia não o executou dentro dos prazos e a concessão caducou. A Leopoldina só retomou o assunto em 1894 sob o impacto daquele evento, mas o ramal ligando a estação de Rosário (atual Saracuruna) a Porto das Caixas só foi mesmo inaugurado décadas mais tarde, em dezembro de 1926[4].

Assim, impedida a navegação, o caminho mais fácil para se alcançar Magé era ir por aquela ferrovia até o citado entroncamento com a estrada de Mauá e, a partir daí, prosseguir a pé ou por outro meio de transporte até a vila.

Em meados de fevereiro de 1894 tropas de Floriano convergiram para a região para desalojar os revoltosos daquele ponto. Uma parte desse contingente veio pelos trilhos da Grão-Pará, procedente de Correias e Cascatinha ao que se juntaram cerca de 100 voluntários embarcados em Petrópolis[5]. Dali seguiram viagem no dia 18, para as proximidades de Raiz da Serra, onde se juntaram às tropas sob o comando do tenente Godolfim, vindas do Rio de Janeiro pela linha do Norte. No dia 21, por fim, marcharam para Magé. Era parte da estratégia do ataque final que se desencadearia algumas semanas depois.

A desigualdade de forças era muito grande e a capacidade de reação de Vinhais muito reduzida. Quando abandonou Magé Vinhais tinha sob seu comando apenas 33 marinheiros, e uma centena de homens que compunham a sua guarda patriótica, sendo que apenas alguns deles armados com velhas carabinas retiradas das sucatas da marinha. A maior parte conseguiu fugir para os barcos dos revoltosos levando os familiares[6].

O episódio ficou fortemente registrado na memória da cidade. Não pela intensidade da luta nem pelo que tivessem sofrido os mageenses com a ocupação de Vinhais, mas pelas atrocidades atribuídas aos seus redentores, ordenadas por Godolfim. Ele seria mais tarde acusado de, depois de afugentar o grupo de Vinhais, ter ordenado o toque de “saque e degola” sobre a população indefesa.

11. Conclusão
Não era novidade para os governantes do Brasil do final do século XIX a importância das estradas de ferro como elemento estratégico para a defesa do território. Após a experiência da guerra contra o Paraguai, havia ficado clara a necessidade de construir estradas que fizessem mais rápida a ligação com as regiões de nossas fronteiras, principalmente no sul do país. Entretanto, a primeira experiência bélica das ferrovias brasileiras acabaria por dar-se na própria capital do país.

Efetivamente, como se viu, com exceção dos projéteis que foram atingir desafortunados civis, o único objetivo não militar da contenda resumiu-se ao sistema ferroviário do Rio de Janeiro. Uma dessas ações interrompeu a ligação com Petrópolis e Minas Gerais que era ainda feita pelo sistema barcas-ferrovia idealizado em 1852 por Mauá. A Estrada de Ferro do Norte, inaugurada cinco anos antes, pelo caminho da baixada, reduziria ao mínimo o impacto dessa perda. Ambas estavam, na época, sob o controle da Companhia Estada de Ferro Leopoldina, que anos mais tarde responsabilizaria os prejuízos sofridos durante a Revolta da Armada como uma das causas das dificuldades financeiras que levaram à sua falência, em 1897. As outras duas ações, deflagradas logo nos primeiros dias da contenda, foram dirigidas contra a Central do Brasil.

Com o fracasso das tentativas de paralisar a Central e com a alternativa de alcançar Petrópolis pela Linha do Norte, foi a vez de Floriano passar a tirar o melhor proveito dessas estradas para organizar a defesa em torno da baía, restringindo o espaço dos revoltosos ao interior da Guanabara.

Nem mesmo a adesão do almirante Saldanha da Gama, comandante do forte de Villegagnon, em dezembro de 1893, até então neutro, pode alterar o destino da revolta.

Pouco depois, em março de 1894, contando com uma nova frota naval composta por navios adquiridos nos Estados Unidos, Floriano utilizaria as estradas de ferro para posicionar suas tropas e armamentos visando o cerco e ataque final aos revoltosos.

(Fim)


Notas:
[1] Aviso nº 140, de 07/10/1893, in Paiva, Alberto Randolpho. “Legislação ferroviária federal do Brasil”. R.Janeiro, MVOP, 1922. 13 vol.
[2] Aviso nº 8, de 16/01/1894, idem..
[3] Os revoltosos tiveram também o controle das ilhas do Governador e Paquetá.
[4] Cf. Siqueira, Edmundo “Resumo histórico de The Leopoldina Railway Co.Ltd.” R.Janeiro. Carioca. 1938 p 179
[5] Fróes, G. Kopke. A “batalha” de Magé”. Obtido em http://www.earp.arthur.nom.br acessado em 30/08/2006.
[6] In Jornal do Brasil. Episódios da revolta de 6 de setembro, fuzilados em Sepetiba e horrores em Magé: narrativas publicadas pelo Jornal do Brasil” R.Janeiro, J.Brasil, 1895 195 p.

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