19 janeiro, 2007

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (8)

8. As ferrovias e as grandes fugas

Na manhã do dia 13 de setembro os cariocas notaram mudanças importantes no panorama da baía. Os navios de guerra estrangeiros que se encontravam na baía da Guanabara quando se declarou a revolta tinham se mantido ali estacionados, numa posição intermediária, entre a cidade e as belonaves de Custódio. Naquela manhã, entretanto, logo se notou que os barcos estrangeiros haviam se afastado para outro local, expondo o coração da cidade ao eventual fogo dos canhões da Armada. Logo, também, a população se daria conta de que esse fato coincidia com a informação que havia circulado na véspera de que Custódio de Melo notificara os navios estrangeiros de que iria realizar importantes operações naquele espaço. Era o que bastava para que, ouvido o primeiro tiro, o pânico tomasse conta da população que, naquela altura, ainda habitava em sua grande maioria nos bairros próximos ao porto. Milhares de pessoas juntaram o que puderam e correram em busca de um transporte que as levasse para longe do alcance dos canhões e metralhadoras. Os trens que partiam da Central, por sua maior capacidade e alcance, foram os mais procurados.

No dia 15, quando a cidade recuperou o fôlego e a calma, o jornal “O País” fazia um balanço do ocorrido:

“Demos ontem notícia da alucinada fuga de grande parte da população, desde o momento em que ressoou o primeiro tiro da esquadra. A estrada de ferro Central do Brasil foi o principal escoadouro para o enorme transbordamento resultante do pânico. Na estação Central era dolorosíssimo o espetáculo que se observava. Homens, senhoras, velhos, crianças, atropeladamente, aterrorisadamente, pés no chão, muitas senhoras mesmo, atiravam-se de encontro às portas, abriam-nas alucinadamente, atiravam-se dentro dos carros, sobre os toldos, agarrados às plataformas e iam por aí adentro sem destino, em procura de um refugio, onde? Não sabiam!”
........................................................................................................................
“O que vai pelas estações dos subúrbios deve ser mencionado. Calculamos que a população destes lugares cresceu de umas 100.000 pessoas. Casas há onde estão alojadas 60 pessoas. E são verdadeiros cochicholos
[1] alguns destes prédios! Aqueles que não tinham conhecidos com residência por essas estações, peregrinaram pelas ruas e estradas até à noite, buscando então refúgio nas matas. ...”[2]

A ação dos revoltosos, de fato, envolveu vários dos barcos de guerra, como o já mencionado Aquidaban, além do Riachuelo, do Javari, do Trajano e da canhoneira Marajó, dentre outros citados pelos jornais da época. Os alvos escolhidos foram o Arsenal de Guerra, o morro do Castelo, onde o governo instalara um canhão, e, do outro lado da baía, os fortes de Santa Cruz e Gragoatá, principalmente. Mas muitos dos tiros erravam os alvos e iam atingir áreas de habitação ou comércio. Pelo menos dois civis foram mortos naquele dia.

No final do mês, dia 30, outro grande susto e o êxodo voltaria a se repetir. Dessa vez o alerta partiu dos embaixadores da Inglaterra e da França, que fizeram comunicados alarmistas aos seus compatriotas que viviam na cidade. Os avisos mencionavam a possibilidade de ocorrerem situações de anarquia e tentativas de saques em vista de uma nova ofensiva da Armada, motivo pelo que eram orientados a buscar lugares mais protegidos[3]. O resultado foi registrado pelos jornais do dia seguinte, 1º de outubro. “O País” assim descreveu o fato:

“Como no dia 13, o maior movimento de emigração foi feito por esta via férrea [a Central do Brasil]. Desde anteontem à noite fervilhavam os boatos relativos a ataque à cidade, de sorte que os trens vindo ontem dos subúrbios aqui chegaram verdadeiramente vazios. Pela manhã, ao contrário, todos os comboios saídos da estação Central iam repletos, e nos pontos até à Mangueira era enorme a aglomeração de pessoas ávidas pela chegada de um trem salvador. Ainda assim havia, por assim dizer, uma certa regularidade, uma ausência de terror, neste êxodo. Quando, porém, o primeiro indivíduo lobrigou a mensagem do Sr. Cônsul inglês e outros ouviram a notícia deste caso gravíssimo, a nova do arrasamento certo desta cidade percorreu num instante todas as localidades urbanas do Distrito Federal e a retirada em massa tornou-se alucinante, pavorosa, contristadora! [...] A afluência de passageiros à Central chegou a tais proporções, que a administração viu-se forçada a estabelecer trens extraordinários de 10 em 10 minutos, além dos da tabela. [...] Pelas informações que colhemos aqui na estação terminal, podemos assegurar que excedeu a 45.000 o número de pessoas que se apresentaram até as 5 horas da tarde e se transportaram para os subúrbios.”

Mas os sustos e as fugas da população não ficaram restritas ao Rio de Janeiro e às ameaças dos ataques dos navios revoltosos. As movimentações das tropas do governo, quando ocorriam, talvez por sugerir novas escaramuças, faziam também o povo correr para lugares mais seguros.

Um desses casos ocorreu em Macaé, no dia 9 de outubro, quando um destacamento as tropas do governo foi mandado para a região para dar proteção ao porto de Imbetiba. O resultado foi reproduzido pela Gazeta de Noticias, da capital, na edição de 13, com base na matéria divulgada dois dias antes em ”A República”, de Campos, sob o título “Alarme em Macaé”:

“Anteontem foram espalhados em Macaé boletins, nos quais a população era avisada da próxima chegada àquela cidade de uma força de 50 praças do exército, com 2 bocas de fogo. O alarma foi enorme. Muitas pessoas, propensas a verem nos tais boletins um gracejo de mau gosto, só acreditaram que a coisa era verdadeira, quando o Dr. Bento Carneiro dirigiu-se à Imbetiba, para pedir ao representante da companhia Leopoldina os seus armazéns e oficinas. [...] O sobressalto tornou-se então geral. Durante a noite de anteontem, apesar da grossa chuva que caia a cântaros, a debandada foi grande. Em canoas pelo rio, a pé pelas estradas, as famílias macaenses retiraram-se, procurando o interior. Ontem o êxodo acentuou-se: o trem do Frade e o expresso desta cidade saíram de Macaé carregados de passageiros, que foram ficando pelo caminho, muitos no entanto, vindo até Campos. Imbetiba está deserto”.[4]

O último incidente desse tipo ocorreu já no final do conflito, a 12 de março de 1894. Floriano havia mandado publicar no Diário Oficial do dia 11 um ultimato aos revoltosos. O aviso dizia que era “fixado o prazo de 48 horas, a terminar ao meio dia de terça-feira próxima, 13 do corrente, para o começo das hostilidades....”[5]. A correria para os trens e bondes se repetiu, não somente no Rio de Janeiro como também em Niterói[6].
(continua...)
Notas:
[1] Cf. Aurélio “casinhola ou aposento muito apertado”.
[2] A população recenseada em 1890 na cidade do Rio de Janeiro era de 522 mil pessoas. Nas freguesias suburbanas era de apenas 93 mil pessoas, segundo o mesmo censo.
[3] As notas dos representantes da Inglaterra e da França obrigaram o governo a fazer com que a polícia espalhasse boletins pela cidade declarando que as autoridades dispunham “de todos os elementos para manter a ordem, e que fará imediatamente fuzilar todo aquele que atentar contra a propriedade particular.” Os avisos dos embaixadores e o boletim do governo foram publicados na edição do dia 01/10/1893 de “O País”.
[4] O porto de Imbetiba, em Macaé, que ainda era utilizado para escoar a produção agrícola daquela região do estado do Rio, era servido por uma estrada de ferro que também pertenciam à Leopoldina.
[5] Cf. Figueira, Manuel Fernandes. “Memória histórica da E.F.Central do Brasil”. R.Janeiro, Imprensa Nacional, 1908. pg 380
[6] A fragilidade das defesas de Niterói acabara por forçar o governo do estado do Rio de Janeiro a transferir-se, em janeiro de 1894, para a mais distante e protegida Petrópolis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário