19 janeiro, 2007

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (5-7)

5. A tentativa de paralisar os trens da Central do Brasil
[1]. Na visão dos revoltosos, entretanto, o motivo para o fracasso da ação teria sido a precipitação do responsável pela execução do plano: os trilhos teriam sido arrancados antes da passagem do último trem, o que fez o maquinista retornar com a composição à estação Central e avisar do ocorrido aos seus superiores, desencadeando, assim, a reação do governo[2].

O renovado interesse em paralisar o sistema ferroviário, seja visando o engajamento de uma parte do operariado à causa dos revoltosos, seja com o propósito de desmoralizar o funcionamento do governo de Floriano, era uma prova da importância que tinham as ferrovias na estratégia dos líderes do movimento.

Na madrugada do dia 6 de setembro um grupo de indivíduos atacou as estações de S. Diogo, S. Cristóvão, Mangueira e S. Francisco Xavier, arrancando trilhos e danificando fios e aparelhos telegráficos. Também tentaram fazer com que os empregados da estação central abandonassem os seus postos. Mas diferentemente do que havia ocorrido em novembro de 1891, a tentativa de conflagrar os trabalhadores da Central não vingou. De acordo com um relato feito poucos anos depois do conflito, a prontidão com que teria agido o governo e a direção da ferrovia, impediu que a greve tomasse corpo
[3].

6. A interrupção do acesso a Petrópolis pelo antigo caminho de Mauá

Por uma razão ou por outra, o insucesso da empreitada inibiu a ação de convencimento dos ferroviários à paralisação grevista que se pretendia. O valor da iniciativa nem por isso deixou de ser reconhecido. Felisbelo Freire, que foi ministro das relações exteriores do governo de Floriano durante aquele período (30/04/1893-18/08/1894) escreveria mais tarde, referindo-se à ao episódio, que “A suspensão das comunicações da Capital com os estados de Minas, S. Paulo e Rio de Janeiro, seria do maior perigo no momento, para o governo, que já não exercia a menor jurisdição no porto, somente tendo a seu favor esta viação férrea, pela qual continuavam as relações comerciais daqueles estados com a praça do Rio de Janeiro e pela qual podia o governo remeter forças para Niterói e S. Paulo”
[4].

Ao tomar posse dos navios da marinha, Custódio e seus comandados trataram de preparar-se para a luta. Era necessário abastecer a esquadra de munição, combustível e alimentos para a tripulação. Fizeram-se para essa finalidade operações contra os depósitos de pólvora da Ponta da Armação, em Niterói. Vários barcos mercantes que se encontravam na baía, com alimentos, principalmente carnes, foram apresados, sendo que alguns deles chegaram mesmo a ter neles instalados equipamentos de guerra e foram depois utilizados nas escaramuças com as forças em terra. Além disso, decidiu-se paralisar as atividades da navegação civil no interior da baía, o que não chegou a se efetivar totalmente por interferência de navios de guerra estrangeiros que se encontravam no local e procuraram dar proteção aos navios de seus países e intermediar algumas condições entre as partes
[5].

Como conseqüência, ficou paralisado o movimento das barcas da Grão-Pará que faziam o referido trecho marítimo da Prainha a Mauá, em Magé. Pelo menos um dos barcos da companhia, o Dr. Coutinho, foi apresado pelos revoltosos durante o conflito. A empresa foi, em conseqüência, obrigada a transferir todas as suas operações para a Linha do Norte, cuja infra-estrutura era bastante limitada para receber a demanda que até então se dirigia à Prainha. Em termos financeiros, como se viu acima, a Grão-Pará tinha operações que eram 8 vezes maiores do que as da Linha do Norte.

Com o remanejamento das operações os serviços de atendimento aos passageiros foram transferidos para S. Francisco Xavier, aonde chegavam vindos do centro pelos trens da Central. Os serviços de cargas foram transferidos para a estação Jockey Club, atual Triagem.
Para se ter uma idéia do volume de tráfego desviado para essa linha basta lembrar os números acima mencionados sobre o faturamento dessas duas estradas em 1892, que correspondiam a uma proporção de 8,4 para 1. Com efeito, os dados disponíveis sobre o faturamento da Grão-Pará no ano de 1894, último ano do conflito, foi 446,5 contos de réis menor do que o do ano de 1892.

Entretanto, além de fazer o papel antes reservado ao caminho da Grão-Pará, a Linha do Norte também assumiu expressiva parcela do “esforço de guerra” do governo de Floriano. É que logo se revelou a importância desta estrada na logística do conflito, pois seu traçado contornava o litoral ocidental da baía da Guanabara, a poucos quilômetros da costa, o que a tornava, com alguma propriedade, uma ferrovia do “front”. E seria por isso utilizada com bastante intensidade na movimentação das tropas do governo, como se verá nos interessantes depoimentos da época, adiante reproduzidos. Apenas para se ter uma idéia do que isso pode ter significado, basta lembrar que no ano de 1984, quando Floriano deflagrou sua ofensiva contra os revoltosos, a Linha do Norte transportou 247 mil passageiros, comparativamente ao 134 mil que haviam utilizado seus trens em 1982. Como o período do conflito, nesse ano, foi até meados de março (dois meses e meio), é de se supor que grande parte do aumento, cerca de 100 mil passageiros, tenho se concentrado nesse curto período.

7. O atentado ao “Túnel Grande”

Apenas duas semanas após a fracassada tentativa de paralisar a Central do Brasil essa ferrovia tornou-se outra vez objeto da ação dos revoltosos, agora por outros meios. Dessa feita o alvo foi o estratégico e simbólico “Túnel Grande”, na linha que ligava o Rio a São Paulo e Minas Gerais. Esse túnel, inaugurado em 1865 com a presença do imperador Pedro II e da princesa Isabel, tinha 2.238 metros de extensão. Ficava a uma distância de cerca de 90 quilômetros da estação inicial, entre Rodeio (atual Paulo de Frontin) e Mendes, no estado do Rio de Janeiro, portanto mais afastado da eventual atenção das forças de Floriano. Mas era igualmente um ponto estratégico, pois ficava poucos quilômetros antes da conexão com a chamada “linha do centro”, cujos trilhos se dirigiam para a região norte do estado do Rio de Janeiro e para Minas Gerais. Interrompida a passagem sob o túnel ficaria impossibilitada a ligação com São Paulo, Minas e uma importante região do estado do Rio de Janeiro.

As informações sobre o que ali teria acontecido vieram a público apenas no mês seguinte, a 13 de outubro, quando os jornais da capital divulgaram o resultado do inquérito policial. Dizia o processo que por volta das 3 horas da madrugada do dia 22 de setembro, ocorrera uma explosão na entrada do túnel nº 13 da Central, que estava situado pouco adiante do Túnel Grande, provocada por duas bombas de dinamite atiradas por pessoas que teriam fugido à aproximação do vigilante da estrada. No mesmo dia foram presos como suspeitos os italianos Giovanni Grimaldi e Giovanni Mazzuca. Grimaldi acabou por confessar que tinha sido convidado por um seu compatriota de nome Nilo Deodati, que se dizia engenheiro, a princípio para a realização de trabalhos de mineração, mas que depois lhe teria revelado seu propósito de destruir o “Túnel Grande”. Deodati acabaria preso logo em seguida e confessado ter sido aliciado por Augusto Vinhais, em nome do almirante Custódio de Melo, para realizar a empreitada. Mais tarde afirmaria que na noite do dia 12 de setembro teria estado a bordo do Aquidaban, o navio em que Custodia havia instalado o comando da revolta, ocasião em que mantivera entendimentos com Vinhais e com o próprio almirante Melo e que nessa ocasião teria ficado acertado o plano de explodir o túnel.

Foram encontrados com Grimaldi 15 cartuchos de dinamite além de outros equipamentos que os peritos concluíram serem capazes de produzir uma bomba suficiente, se aplicado em ponto adequado, para destruir completamente qualquer túnel da estrada de ferro. Os dois cartuchos utilizados na madrugada do dia 22, diria Grimaldi, teriam sido utilizados apenas para testar a qualidade do explosivo. Talvez por isso tenha produzido apenas um pequeno estrago na boca do túnel, sem causar o impedimento da via. Grimaldi só não esperava ser surpreendido logo após o teste
(continua...)

Notas:[1] Vila-Lobos, Raul (Epaminondas Vilalba, pseud.), “A revolta da armada, de 6 de setembro de 1893”. R.Janeiro, Laemmert, 1897. pg 13[2] Anônimo (atribuído a Guanabara, Alcindo) “Notas de um revoltoso”. R.Janeiro, Tip.Morais. 1895. pp. 30[3] Freire, Felisbelo Firmo de Oliveira. História da Revolta de 6 de Setembro de 1893. Brasília, UNB. 1982. pg 113[4] Os comandantes dos navios portugueses foram os que mais se envolveram no evento e, quando vencida a revolta, acabaram por dar asilo aos revoltosos contrariando as intenções de Floriano. Por conta desse episódio as relações diplomáticas entre o Brasil e Portugal ficaram cortadas por vários anos.[5] Os resultados do inquérito foram divulgados, entre outros jornais, na Gazeta de Notícias, edição do dia 13 de outubro de 1893, 1ª página. O túnel nº 13, de 91,9 metros, que ficava um pouco adiante do “Túnel Grande”, que era o túnel nº 12.

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