19 janeiro, 2007

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (3-4)

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (3-4)
3. As ferrovias na estratégia de guerra

Dois dias depois de deflagrado o movimento o tradicional Jornal do Comércio publicou um longo artigo intitulado “Os caminhos de ferro em tempo de guerra”. O autor, cujo nome não ficou registrado, começava por afirmar que a importância estratégica dos caminhos de ferro tinha sido posta em evidência em dois conflitos ocorridos no Velho Mundo, o da Criméia e o da Itália. A guerra da Criméia, uma península ao sul da Ucrânia, no mar Negro, ocorrida entre 1853 e 1856, envolveu de um lado a Rússia, e de outro uma coligação de países formada por França, Inglaterra, Turquia e outros. Durante o longo cerco de Sebastopol, onde os russos foram derrotados, os ingleses construíram uma pequena ferrovia que lhe facilitou a movimentação e principalmente o abastecimento das tropas acantonadas no porto de Balaclava. No caso da guerra da Itália, travada em 1859, Napoleão III tinha conseguido uma importante vitória estratégica ao fazer com que suas tropas, utilizando uma ferrovia, se antecipassem às do inimigo. O artigo seguia comentando como vários países haviam criado divisões militares especialmente preparadas para melhor utilizar o sistema ferroviário nas estratégias de guerra. Chegava mesmo a mencionar como essas tropas eram treinadas para a construção e gestão das ferrovias, mas também para a destruição de linhas telegráficas, pontes, túneis, trilhos e estações.

O articulista não fazia qualquer recomendação a partir daqueles ilustrativos exemplos. Mas se havia alguma mensagem para os leitores ou para o governo, era a de que o lado que conseguisse controlar o sistema ferroviário teria mais chances de ganhar a contenda. E claro, reforçava a condição de serem as ferrovias um alvo de interesse também na estratégia do inimigo.

4. As ferrovias da capital em 1893

A Estrada de Ferro Central do Brasil, pertencente ao governo federal, era a principal via de comunicação e de transporte em operação na capital do país. Além dela estavam em atividade a Estrada de Ferro Rio do Ouro e a Estrada de Ferro do Norte, esta sob controle da Companhia Leopoldina desde 1890.

A Central do Brasil, cujas operações haviam iniciado em 1858, dispunha no início de 1893 de 1.120 quilômetros de ferrovias em tráfego. Sua linha principal tinha 462 km e ia do centro da cidade do Rio de Janeiro até Queluz (atual Conselheiro Lafaiete) em Minas Gerais. A partir de Barra do Piraí, no estado do Rio de Janeiro, saíam os ramais para São Paulo e outro para Entre Rios (atual Três Rios) e Porto Novo do Cunha (atual Além Paraíba), acompanhando o trajeto do rio Paraíba do Sul.

O faturamento total dessa estrada no ano anterior havia alcançado Rs 19.869 contos de réis. Para tanto havia transportado 106 mil toneladas de café destinados ao porto do Rio de Janeiro e 550 mil toneladas de outras cargas, além de 10,7 milhões de passageiros. Destes, 8,6 milhões utilizaram os trens suburbanos da capital carioca. Suas composições percorreram 4,3 milhões de quilômetros e consumiram 79,1 mil toneladas de carvão, cujas importações se faziam principalmente pelo citado porto.

A Estrada de Ferro Rio do Ouro, assim como a Central do Brasil, era administrada pelo governo. Havia sido construída para as operar nas obras de captação das águas dos rios do Ouro, São Pedro e outros, na serra do Tinguá, para abastecimento da população do Rio de Janeiro. Seu ponto inicial ficava no cais do Caju e seguia rumo noroeste em direção a Pavuna e a atual Belfort Roxo. Além de atender às necessidades das obras a estrada havia iniciado em 1883 a prestação de serviços de passagens e cargas No início de 1893 tinha uma extensão de 82 quilômetros. e havia transportado no ano anterior cerca de 90 mil passageiros e 3,4 mil toneladas de cargas, que resultaram num faturamento de Rs 239 contos de réis.

A Estrada de Ferro do Norte ou Linha do Norte havia sido adquirida pela Companhia E. F. Leopoldina em 1890 e era, dentre as ferrovias sob controle daquela companhia, a única em operação na cidade do Rio de Janeiro. Tinha 45 quilômetros em operação desde 1888. Seu ponto inicial ficava na estação de São Francisco Xavier, da Central do Brasil, derivando para o norte até Vigário Geral e seguia, em território do estado do Rio de Janeiro, cruzando a baixada por toda a extensão do atual município de Duque de Caxias até entrar em Magé. No município de Magé a Linha do Norte se conectava próximo a Raiz da Serra (atual Vila Inhomirim) aos trilhos da histórica E. F.de Mauá. Esta pequena estrada, de apenas 16 km. saía do porto de Mauá (atual Pacobaíba) rumando para a Raiz da Serra de Petrópolis onde se ligava aos trilhos da E. F. Príncipe do Grão-Pará. Nessa época a E. F. Mauá já tinha sido integrada à Grão-Pará e esta, por sua vez, como a Linha do Norte, havia passado para o controle da Leopoldina.

Pelos trilhos da Grão-Pará, a partir de Raiz da Serra se alcançava Petrópolis e depois Areal e São José do Rio Preto, sempre em território do estado do Rio de Janeiro .

Naquela época, portanto, já se podia ir do Rio de Janeiro a Petrópolis por trem, fazendo-se as conexões entre a Central do Brasil e a Linha do Norte em S. F. Xavier e, depois, desta com a Grão-Pará em Raiz da Serra. Entretanto, a preferência dos usuários continuava sendo o trajeto que havia sido idealizado pelo Barão de Mauá, que utilizava uma linha de barcas que saía da Prainha, atual Praça Mauá, e ia até o mencionado porto de Mauá, no município de Magé; dali partia o trem da E.F. Mauá até Raiz da Serra, seguindo pela Grão-Pará até Petrópolis.

Esse caminho tinha sua preferência justificada não só pela tradição, mas principalmente porque tinha seu ponto inicial no centro da capital e junto ao porto, condição que facilitava enormemente o ir e vir dos passageiros e a movimentação das cargas . Tanto assim que no ano de 1892 a Grão-Pará (computando as operações da Prainha a S. José do Rio Preto) faturou o equivalente a Rs. 1.580 contos de réis, dos quais 47% com passagens e os outros 53% com cargas. Nesse mesmo ano a E. F. do Norte faturava apenas Rs. 188 contos de réis dos quais 71% vinham da venda de passagens (principalmente no trecho dos subúrbios do Rio de Janeiro) e apenas 29% de transporte de cargas.
Uma das conseqüências da preferência pelo antigo caminho é que a Leopoldina pouco investia na Linha do Norte. O mais estado da ferrovia havia sido inclusive constatado pelo engenheiro fiscal responsável por aquela estrada em 1892. Assim, embora ambos os caminhos pudessem levar os passageiros do centro do Rio a Petrópolis em cerca de duas horas, a viagem acabava sendo sempre mais demorada pela Linha do Norte.

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