08 novembro, 2006

Barão do Rosário: notas biográficas

O primeiro gestor da Leopoldina Railway (1898)

João José do Rosário fez uma longa e profícua carreira no Ministério da Fazenda, na segunda metade do século 19. Foi um especialista na área de orçamento e controle da dívida pública.

Consta que em 1866 já ocupava um posto de Segundo Escriturário na Diretoria Geral de Contabilidade. Dois anos depois foi comissionado para uma missão especial, em Londres, como Delegado do Tesouro, nomeado por decreto imperial. Ficou lá até 1873. De volta ao Brasil foi promovido, em 1875, a Primeiro Escriturário. No ano de 1879 assumiu o cargo de Contador na 1ª Contadoria da Diretoria Geral de Tomada de Contas, sempre no mesmo ministério.

Nesse mesmo ano foi um dos 14 especialistas consultados pelo titular da pasta, o Visconde de Ouro Preto, sobre alternativas para a criação de novos impostos que pudessem equilibrar as finanças do governo. Seu parecer foi um dos mais bem elaborados, com sugestões oportunas e judiciosas que seriam citadas, duas décadas mais tarde, por Rui Barbosa, ministro da Fazenda dos primeiros tempos da República, então exigido a se preocupar com aquele tema. As referências de Rui fizeram aumentar a notoriedade de Rosário e valeu para incluí-lo como um dos precursores da introdução desse imposto no Brasil.

Em 1880 retornou à sua Diretoria de origem assumindo o cargo de Contador da 2ª Contadoria onde ficou até ser convocado, em 1884, para ocupar o importante cargo de Inspetor Geral, principal executivo da Caixa de Amortização, instituição que era responsável pela gestão da dívida pública, governada por uma Junta presidida pelo Ministro da Fazenda. Em 1885 assumiu o posto de Diretor Geral de Contabilidade do Tesouro onde ficou, pelo menos, até 1889. Nesse ano era, também, um dos membros do Tribunal do Tesouro Nacional, outro colegiado presidido pelo ministro da Fazenda.

Foi agraciado pelo Imperador Pedro II, com o título de Barão do Rosário a 5 de maio de 1889.
Em 1896 a Estrada de Ferro Leopoldina estava afundada em dívidas quando sobreveio o escândalo da Cia. Geral de Estradas de Ferro do Brasil, uma espécie de “holding” que controlava a Leopoldina. Naquela altura essa ferrovia era ainda presidida pelo Conselheiro Paulino, um histórico político do império aposentado de seu cargo de presidente do Senado pelo movimento chefiado por Deodoro. Paulino ainda tentou negociar a salvação da empresa, mas não teve êxito e a Leopoldina acabou tendo a sua liquidação forçada pelos credores, na sua maioria ingleses. É nesse momento que entra em cena o Barão do Rosário, experimentado negociador de grandes dívidas, fluente em inglês e grande conhecedor dos financistas daquele país.

O Barão está presente, em 16 de novembro de 1897, à assembléia dos credores da Leopoldina que definiu as condições de liquidação daquela empresa. Decidida a transferência das ferrovias que era concessionária para a recém constituída Leopoldina Railway, os ingleses detentores do seu controle, encontraram no Barão do Rosário a pessoa que talvez tivesse, naquelas circunstâncias, os melhores predicados para gerenciá-la. Mas como preposto dos ingleses careciam-lhe as condições para repetir a habilidade negociadora que havia marcado a gestão do Conselheiro Paulino durante o período mais difícil da empresa antecessora.

Um de primeiros desafios de sua gestão lhe foi apresentado pelo advogado José Antonio Pedreira de Magalhães Castro, representante de fazendeiros e comerciantes do rio Iguaçu. Eles tinham uma dívida a cobrar da Leopoldina por terem ganho uma demanda judicial contra uma das ferrovias que agora fazia parte do patrimônio da Leopoldina Railway. O caso dizia respeito à Estrada de Ferro do Norte, que fazia a ligação entre São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro, e o entroncamento com a antiga estrada de Mauá a Raiz da Serra, no município de Magé. Essa estrada havia construído uma ponte sobre o canal do rio Iguaçu que impediu a navegação dos saveiros dos tradicionais usuários do rio. Os iguaçuanos moveram então, ainda no ano de 1886, uma ação demolitória que só veio a receber a sentença definitiva em 1889, já quando a ferrovia estava sob controle da antiga Leopoldina. Por contas das dificuldades financeiras da empresa e das habilidades negociadoras do Conselheiro Paulino, a execução da sentença foi sendo protelada na expectativa de uma indenização em dinheiro em troca da citada demolição. A posição de Rosário em relação à pendência parece não ter dado esperanças aos iguaçuanos sobre a tão esperada indenização. Assim, e após algumas trocas de acusações mútuas pela imprensa, entre o advogado dos iguaçuanos e o Barão do Rosário, a ponte acabou por ser demolida em outubro de 1898, com prejuízo para o fluxo de trens naquela importante linha. O tráfego normal só seria reaberto em janeiro de 1901, através de uma nova ponte, levadiça, para dar passagem aos barcos.

Anos mais tarde, depois de se desligar da Leopoldina, o Barão do Rosário voltou a viver em Londres, quando passou a integrar um ilustrado grupo de correspondentes estrangeiros que colaboravam com o Jornal do Brasil.





Bibliografia:
Almanak Laemmert, R.Janeiro, Tip.Laemmert, várias edições
Brasil, Ministério da Fazenda, Relatórios. R.Janeiro, Imp. Nacional, várias edições.
Brasil, Ministério da Fazenda, informações acessadas em 30/09/2006 no site http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/SRF/Historia
Gontijo, Silvana. A Imprensa no século XX, in O Mundo em Comunicação. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001, consultado em 16/10/2006 no site http://www.manonitas.com.br/transf/martins/uniban/luci/2006.03.06.
a_imprensa_no seculo_xx.doc.
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Magalhães Junior, R. Deodoro: a espada contra o Império. S.Paulo. Ed.Nacional. 1957. 2 vol.

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 - Anexo

O depoimento do capitão-tenente Conceição



 Foto de Juan Gutierrez; acervo do Museu Histórico Nacional Fortificação passageira com soldados e oficiais da artilharia, 1894.

Com seus trilhos correndo paralelamente às margens da baía da Guanabara, então ocupada pela esquadra revoltada do Almirante Custódio de Mello, a Estrada de Ferro do Norte tornou-se, desde o início das hostilidades, uma peça estratégica importante para o esquema de defesa do Marechal Floriano Peixoto e do seu governo. A interdição dos serviços de barcas entre a capital e o porto de Mauá, em Magé, tornara aquela ferrovia o único acesso à Fábrica de Pólvora, em Estrela, ao norte da baía. Era também o melhor caminho para se chegar a Petrópolis, que havia sido promovida a capital do Estado do Rio de Janeiro, face à grande exposição de Niterói às forças comandadas por Custódio. Por tudo isso aquela ferrovia viria a ser intensamente utilizada pelas tropas do governo, nos meses seguintes, como meio de transporte para soldados e equipamentos bélicos. Mas era igualmente importante protegê-la, pois as pontes sobre o Meriti, o Iguaçu e vários outros rios da região por onde corriam os seus trilhos, eram peças vulneráveis e possíveis alvos de ataques ou sabotagem. Além do mais aqueles rios eram razoavelmente navegáveis e por eles seria possível que os revoltosos fizessem incursões em terra para se abastecer ou para estabelecer bases de ocupação. As pontes, portanto, mereciam enorme atenção das tropas, tanto como objeto de proteção mas, também, como um posto de defesa para conter eventuais tentativas de infiltração através dos rios.

Por outro lado, o fato de se defrontarem os cariocas e fluminenses com uma frente de batalha tão próxima às áreas urbanas, fez com que a possibilidade de contato entre os soldados e seus aflitos e preocupados familiares ficasse muito facilitada. Passado o primeiro grande susto, que levou milhares de pessoas a lotar as estações ferroviárias e a buscar outros meios de transporte que pudessem retirar suas famílias da linha de tiro dos canhões do Aquidabã e das outras belonaves sob o controle do almirante, as escaramuças e as manobras militares forma se incorporando no ritmo de vida da população.

A história de um desses muitos contatos ficou registrada por “O País”, um dos principais jornais da época, publicada na edição do dia 10 de outubro de 1893. Era a reprodução de uma carta endereçada por um leitor, o capitão-tenente Conceição, descrevendo o encontro com o filho, alistado em um batalhão de voluntários e enviado para defender a ponte da ferrovia sobre o rio Iguaçu, na chamada “Passagem de São Bento”. A revolta havia sido deflagrada a pouco mais de um mês, no dia 6 de setembro, e as pessoas ainda não tinham uma idéia clara do que poderia resultar daquela confusão. Portanto, as primeiras sensações que a contenda inspirava estavam bastante vivas e transparecem claramente do depoimento do capitão-tenente, em meio, como seria natural, às preocupações mais pessoais sobre o bem-estar do ente querido.
Por seu valor testemunhal sobre o que se passava ao longo daquela ferrovia, reproduz-se, a seguir os principais trechos da longa narrativa publicada pelo jornal.

“Ansioso por saber notícias positivas acerca da localidade e bem estar do meu filho Alfredo Conceição, há dias internado com o batalhão patriótico 23 de Novembro, dirigi-me ontem, 8, de manhã à estação de S. Francisco Xavier, da estrada de ferro do Norte, onde acompanhado de meu filho Mário, aluno do colégio militar, e de um fâmulo, tomei o trem para a Penha, supondo dali dirigir-me à Fazenda Grande, onde contava encontrar o ente querido, a quem eu ia levar o conforto paternal[1]. Ao embarcar no trem, soube por oficiais que acabavam de chegar, que o batalhão 23 de Novembro se achava guardando as pontes sobre os rios Meriti e Iguaçu, da via férrea do Norte, achando-se meu filho nesta última. Estando a largar o trem, segui para a Penha, afim de lá tomar nova resolução.
Às 10 horas ali chegando, soube que só às 5 horas [da tarde] haveria outro trem para cima e que, se eu nele fosse, não voltaria no mesmo dia
[2]. Passei um telegrama a meu filho e preveni-o de que nesse trem [o das 5 da tarde] iria a muda de roupa[3].
O coração me ficava despedaçado, uma espécie de remorso me corroia a alma e me dizia que eu devia ver meu filho, custasse o que custasse. O chefe da estação da Penha me informara que dali ao Iguaçu havia a distancia de 20 quilômetros, distância que em três horas poderia ser vencida a pé
[4]. Mas a lama escorregadia que havia sobre o leito da estrada era um obstáculo digno de ser ponderado. Entre o desejo e a ventura, o meu filho Mário entusiasmou-me. Eram 10 horas e 20 minutos quando empreendemos a marcha. Vencido o primeiro quilômetro, vi, pelo relógio, que o havíamos feito em 13 minutos; dando para os outros [quilômetros] 15 minutos, formei a intenção de às 2.1/2 da tarde abraçar meu filho, e assim foi.
Ao meio-dia avistávamos a ponte sobre o rio Meriti e, quando nos achávamos a 500 metros, eis que surgem de trás das colunas alguns vultos humanos encapotados, os quais, empunhando armas, puseram-se em atitude de obstar-nos a marcha, intimando-nos a grandes brados:
“- Faça alto!”
Obedecemos, e depois que por meio de gritos expliquei-me, recebi a ordem de
“- Pode chegar.”
Aquilatei por isso que os rapazes, apesar da noite cruel por que passaram anteriormente, estavam alerta, firmes e resolutos.
Chegado à ponte, verifiquei isso mesmo e mais, que até àquela hora não tinham almoçado os que a guardavam. Eu mesmo tive de levar o recado ao quartel do posto, dali a 2 quilômetros, onde à meia-hora depois do meio-dia cheguei, tendo a satisfação de ter encontrado em caminho o troço [grupo] que ia render os outro
[5]s.
Depois de pequeno descanso, empreendi de novo minha marcha. Estávamos no quilômetro 20 e a chuva começou a cair, fina, sem aragem alguma, pelo que o suor nos corria em grossos bagos
[6]. Os pés se nos pesavam, graças ao acumulo da lama pegajosa nos sapatos. Raros transeuntes encontrávamos. Às 2 horas verificamos estar no quilômetro 25 e ouvimos dois tiros. Estávamos em uma curva quando, ao sairmos dela, avistamos a ponte grande do Iguaçu, sobre a qual se movia um troço de homens que pareciam satisfeitos, pelos modos por que se moviam apesar da chuva. Apertamos o passo e depois da mesma formalidade anterior aproximamo-nos da ponte, sobre a qual, empunhando a sua arma, avistei entre os outros o meu filho, que veio logo abraçar-me e ao seu irmão.
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Tive ocasião de verificar o bom espírito dos voluntários, a decidida vigilância que eles exercem e o desejo ardente que nutrem de se medirem com os inimigos da República.
Já tinham almoçado, sendo-lhe a comida feita por contrato, da estação do Pilar, dali a 3 quilômetros, em troly.
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Confortei meu filho, aconselhei-o a uma boa disciplina, não obstante o digno comandante major Dr. Moraes e capitão Elídio afirmarem-me o seu excelente modo de proceder; fiz-lhe ver que o voluntário, mais que outro qualquer, tem o dever de ser o tipo do soldado, e às 5 horas fui tomar o trem no Pilar, chegando a S. Francisco Xavier às 8.1/2 da noite e à casa, estropiado, às 9.1/2.
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Notas:
[1] A Fazenda Grande era uma gleba de terra onde se desenvolveu o bairro da Penha.
[2] Em 1889 o trem fazia apenas duas viagens diárias. Levava cerca de 20 minutos para ir de S. Francisco Xavier à Penha.
[3] Uma das condições para a concessão de ferrovias na época é que as empresas concessionárias construíssem linhas telegráficas interligando as estações.
[4] Na verdade a distância entre a estação da Penha e a ponte sobre o rio Iguaçu, seguindo a linha do trem, era de 17 km.
[5] Ficaria próximo à atual estação Duque de Caxias, que dista 1.700 metros da ponte do Meriti.
[6] Neste ponto (km. 20 da ferrovia) fica a ponte sobre o rio Sarapuí. Como o relato não menciona a existência de vigilância armada nesse local é provável que esse rio já não tivesse naquela época condições de ser navegado. Além da ponte do Sarapuí o capitão-tenente deverá ter passado também nos pontos onde existiam as paradas de Meriti, Sarapuí, Pantanal e São Bento. Nesses pontos não deveria haver qualquer instalação digna de referência e que pudesse servir de apoio aos utilizadores da ferrovia.