31 outubro, 2006

Eng. Jerônimo Jardim: notas biográficas

O autor do projeto da Estrada de Ferro do Norte
(1) Grande conhecedor da região da baixada


O engenheiro Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim foi o responsável pela elaboração do projeto para a construção da Estrada de Ferro do Norte.

Essa ferrovia, cujo concessionário era Alípio Luis Pereira da Silva, iria ligar a cidade do Rio de Janeiro à raiz da serra de Petrópolis, no município de Magé, então Província do Rio de Janeiro. O ponto inicial seria junto à estação de São Francisco Xavier da Estrada de Ferro Central do Brasil e seu ponto terminal no entroncamento com a ferrovia que ligava o porto de Mauá à raiz da serra, a primeira construída no Brasil pelo Barão de Mauá. No ano em que foi dada a concessão para a E.F.do Norte já estava em execução o trecho da subida da serra, até a cidade de Petrópolis, que pertencia a Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará, sucessora da empresa do Barão de Mauá. Esse trecho foi inaugurado em 1883.

Morais Jardim era grande conhecedor da geografia da baixada da Guanabara. Ali havia trabalhado por quase toda a década anterior na construção de um sistema para o abastecimento de água da capital. Era então o chefe da importante Inspetoria Geral de Obras Públicas, responsável pela realização ou contratação das obras de interesse do governo central. Como a vazão dos rios próximos ao núcleo urbano, era insuficiente para atender à população de, então, 300 mil habitantes, foi preciso captar as águas nas nascentes do rios São Pedro e rio do Ouro, na Serra do Tinguá. Ademais, como as condições pantanosas da região dificultavam o acesso e o transporte dos trabalhadores e do material, teve de ser construída uma pequena ferrovia, depois chamada Estrada de Ferro Rio do Ouro, que ia da Ponta do Caju até o sopé da serra onde estavam os mananciais.

Com toda essa experiência e desligado do serviço público desde inícios de 1881, Morais Jardim aceitou o desafio de projetar o traçado da nova estrada, cujo decreto de concessão foi publicado em 1882. Em setembro do ano seguinte o governo aprovou o projeto e autorizou o início da construção.

As obras, entretanto, seriam iniciadas apenas no ano seguinte quando a empresa foi formalmente constituída, sob a presidência do Comendador Luis Plínio de Oliveira. Oliveira era ex-diretor geral dos Correios e havia sido contemporâneo de Morais Jardim no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de onde se desligara também em 1880. Foi chamado para assumir a responsabilidade das obras Marcelino Ramos da Silva, engenheiro que havia participado da construção da referida E. F. Grão-Pará, na subida da serra de Petrópolis, e contratados como empreiteiros os também engenheiros João Ferreira Ramos e João Henrique Costard.

Como obra de engenharia a Estrada de Ferro do Norte não apresentava características que lhe dessem maior destaque, a não ser a dificuldade de encontrar os caminhos adequados para fugir às extensas zonas alagáveis típicas da região, que Morais Jardim já conhecia nos traçados das outras ferrovias locais. As dificuldades maiores terão sido de natureza orçamentária, pois, apesar de seus pouco mais de 45 quilômetros de extensão, a estrada só ficou pronta em 1888.

Foi certamente na busca de soluções com os menores custos possíveis que o projeto previu um conjunto de pontes sobre o rio Iguaçu cuja altura era inferior à que seria necessária para dar passagem aos barcos à vela que por ali trafegavam. Os proprietários protestaram e a discussão foi para a justiça. Depois de tramitar por quatro tribunais a sentença final acabou por dar ganho de causa para os usuários do rio. Mas só depois de mais dez anos de negociações infrutíferas, é que a polêmica teve seu desfecho, com a demolição da ponte, mais tarde substituída por uma nova com sistema de elevação para permitir o transito dos barcos.

(2) Outros dados biográficos
Morais Jardim nasceu em Goiás a 12 de fevereiro de 1838 na antiga capital do estado, hoje conhecida como Goiás Velho. Era filho do coronel Joaquim Rodrigues de Morais Jardim e de D. Maria Altina Jardim.


Depois de concluir os primeiros estudos na cidade natal, Morais Jardim foi para o Rio de Janeiro matriculando-se na Escola Militar. Passou para a Escola Central onde se formou em Engenharia Militar e Civil, além de graduar-se em Matemática e Ciências Físicas.

Depois de alguns trabalhos de engenharia militar no Pará e Paraná participou da Guerra do Paraguai. Retornando ao Rio de Janeiro em 1870 foi promovido a Major e nomeado Ajudante da Inspeção Geral de Obras Públicas. Foi nomeado para chefiar a Inspetoria a 28 de abril de 1873, posto que ocupou até 1880 debruçando-se desde logo sobre o problema do abastecimento de água para a Capital, e executando um importante projeto de captação da água dos rios São Pedro e do Ouro, na Serra do Tinguá, para o que foi necessário, inclusive, a construção de uma ferrovia de apoio às obras, a E. F. Rio do Ouro. É de 1874 o mapa anexo que reproduz o projeto inicial de captação das águas dos rios da vertente sul daquela serra, com a quantificação do seu potencial estimado.

Em 1876 Jerônimo Jardim foi nomeado para compor uma comissão, juntamente com os também engenheiros Marcelino Ramos da Silva (1844 -1910) e Francisco Pereira Passos (1836-1913) para propor um projeto de modernização do traçado das ruas da capital, trabalho que foi retomado e executado por este último em 1902-1906, já como prefeito.

No ano de 1880 foi indicado pelo seu estado para ocupar uma cadeira na Câmara de Deputados, sendo reconduzido em 1884. É nessa época que realiza o projeto da Estrada de Ferro do Norte.
Em 11 de setembro de 1889 foi nomeado pelo Imperador D. Pedro II para ocupar a presidência da Província do Ceará, tomando posse a 11 de outubro. Deixou o cargo logo depois, a 16 de novembro, por conta do movimento que proclamou a República.

O desgaste político pela ascensão dos republicanos não afetou seu conceito profissional. De volta ao Rio de Janeiro foi nomeado em 1890, pelo governo provisório do marechal Deodoro, para dirigir uma comissão de especialistas com a finalidade de propor um Plano Geral de Viação para o país. Seria a primeira iniciativa governamental dessa natureza.

Os militares estão divididos. Já sob a nova constituição de 1891 Deodoro renuncia à presidência e assume o vice, Floriano Peixoto. Jardim decide aposentar a farda e em novembro de 1892 é reformado do exército no posto de marechal. É como civil que seu nome é mencionado, ao final de agosto de 1893, numa lista de personalidades que os jornalistas registraram defronte ao edifício do Supremo Tribunal na manifestação de apoio ao contra-almirante Wandenkolk, que havia sido preso no Rio Grande do Sul. Todos estavam contra Floriano.
Com a posse do civil Prudente de Morais na presidência, em novembro de 1894, Jardim foi convidado a assumir a direção da Estrada de Ferro Central do Brasil, tendo permanecido no cargo até novembro de 1896. Depois de sua saída foi homenageado pela empresa, que batizou com o nome de “Marechal Jardim” um novo posto telegráfico, instalado ao longo da ferrovia Rio – São Paulo. Inaugurado a 8 de março de 1898, o posto foi mais tarde transformado em estação. Com o desenvolvimento posterior da região o local se transformou, hoje, num bairro da cidade de Itatiaia (RJ).
A 27 de junho de 1898, a convite do presidente da República, tomou posse no cargo de ministro da Viação e Obras Públicas, ali permanecendo até a conclusão do mandato presidencial, a 15 de novembro daquele mesmo ano. Foi seu último cargo público e por certo o mais importante.
Talvez não esperasse que fossem terminar, justamente na sua gestão, os lances finais da antiga disputa sobre a ponte no rio Iguaçu, a mesma que projetara 15 anos antes para a Estrada de Ferro do Norte.

Morais Jardim foi casado com a filha do senador goiano, Manoel de Assis Mascarenhas, também nascido em Goiás Velho. Faleceu a 16 de setembro de 1916, no Rio de Janeiro.
(texto revisado em 19/11/2006)


Bibliografia:
Figueira, Manuel Fernandes. Memória histórica da estrada de ferro central do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. 960 p
Abranchse, Dunshee. Governos e Congresso da República dos Estados Unidos do Brasil, S.Paulo, M. Abranches, 1918. 2 v.
Telles, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX. R.Janeiro, Liv.Tecnicos e Científicos. 1984, 510 p.
Cerqueira, Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870. Rio de Janeiro: Bibliex, 1980. 341 p
Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, várias edições,
Brasil, Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Relatório Anual, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, várias edições
Gazeta de Notícias, R. Janeiro, edição de 17/09/1916.


Eng. Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim